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Andrés Velasco - Economista 13 de Junho de 2012 às 23:30

Um guia argentino para a crise grega

Os responsáveis pelas políticas europeias parecem estar surpreendidos com a actual corrida aos depósitos na Grécia (e com a que está a começar em Espanha). Não deveriam. Quem está familiarizado com os colapsos nos mercados emergentes sabe que, depois de uma crise orçamental, quase sempre se segue uma crise financeira.

Os responsáveis pelas políticas europeias parecem estar surpreendidos com a actual corrida aos depósitos na Grécia (e com a que está a começar em Espanha). Não deveriam. Quem está familiarizado com os colapsos nos mercados emergentes sabe que, depois de uma crise orçamental, quase sempre se segue uma crise financeira.

O ‘default’ (incumprimento) da Argentina em 2001 é um exemplo útil. Na crise argentina, a economia contraiu 18% e o desemprego disparou para os 22% da população activa. A Grécia já está próxima desses níveis.

A Argentina enfrentou um ‘default’ total e caótico na sua dívida pública. Na Grécia, a reestruturação imposta aos credores tem sido gerida pela União Europeia e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). No entanto, com uma dívida ainda insustentável, a próxima ronda do ‘default’ grego pode fazer o caso da Argentina parecer positivamente teutónico na sua regularidade.

Na Argentina, a banca esteve próxima do colapso, o que levou o governo a proibir a retirada de dinheiro dos bancos – introduzindo o chamado corralito para os depósitos – e estabelecendo mecanismos de controlo dos movimentos de capitais. Esta parece ser a etapa em que a Grécia está a entrar agora. Assim, se o precedente da Argentina e de outros mercados emergentes é um guia útil, o que se pode esperar da Grécia?

Para responder a essa pergunta é pertinente recordar os circuitos que ligam as crises orçamentais às crises financeiras. Os bancos têm créditos ao governo e às empresas na qualidade de activos. A crise orçamental e a situação de incumprimento reduzem o valor dos primeiros, ao mesmo tempo que a recessão subsequente mina o valor dos segundos.

Esta é a ligação entre os problemas orçamentais e os problemas bancários. Mas existe também uma ligação no sentido inverso: à medida que os bancos procedem à desalavancagem para compensar as perdas, limitam o crédito e a economia contrai, o que faz cair a receita do Estado. Se, e quando, os bancos requerem uma injeção de capital proveniente de fundos públicos, a despesa adicional – que pode ser grande – enfraquece ainda mais as finanças públicas.


Estas forças que se reforçam mutuamente podem resolver-se a si próprias num longo processo de recessão e desalavancagem. Ou então podem levar a uma súbita corrida aos bancos, causando a implosão do sistema financeiro. O resultado depende da confiança.

Os economistas entenderam há muito tempo que, na ausência de um emprestador credível de última instância, os bancos são vulneráveis a crises de confiança. Esse credor pode ser monetário ou fiscal, e na Grécia ambos os tipos estão em dúvida.


Se o acordo grego com a União Europeia e o FMI se quebra, o Banco Central Europeu não vai mais aceitar títulos gregos como garantia. E o Estado grego não tem meios para salvaguardar os seus bancos. Nestas circunstâncias, seria mais surpreendente se os depositantes não corressem para retirar os seus fundos dos bancos gregos.


A experiência argentina sugere que, depois da corrida aos depósitos bancários, o capítulo seguinte da saga é o colapso monetário. Com a receita em queda livre e o crédito cortado, as províncias argentinas tiveram que recorrer à impressão de letras para pagar salários e pensões. A certa altura havia em circulação mais de mais de uma dúzia de "quase-moedas".

O que acontecerá se a Grécia perder o acesso ao crédito da União Europeia e do FMI? Os optimistas assinalam que é suposto o país eliminar o seu défice primário (o Saldo orçamental menos o pagamento de juros) em 2013, o que implica a possibilidade de pagar as suas obrigações não relacionadas com a dívida com os seus próprios recursos depois de um ‘default’.

Mas esta visão sobrestima a capacidade do Estado para arrecadar receitas numa situação de pânico financeiro. Com a economia em queda livre e um clima de incerteza generalizada, muitas famílias e empresas deixam simplesmente de pagar os seus impostos. Assim, mesmo que o governo grego não pague os compromissos relacionados com a dívida, pode não ter alternativa se não imprimir pedaços de papel para cumprir as suas obrigações.

Isso não constituiria um abandono oficial do euro mas, com o tempo, a diferença poderia tornar-se mais formar do que real. A letra ou vale recém-emitido – chamemos-lhe neo-dracma – seria transaccionável e altamente líquido. Mesmo que transaccionado com um grande desconto, como certamente aconteceria, mais tarde ou mais cedo seria utilizado para efectuar todos os tipos de transacções.

Aqui, a história da Argentina sugere que a crise volta a atacar os bancos: em breve as empresas começam a reclamar que os seus rendimentos são agora denominados em neo-dracmas enquanto os seus créditos permanecem denominados em euros, e começam a pressionar insistentemente para que os seus créditos sejam neo-dracmatizados (“pesificados” no jargão da Argentina). Um parlamento ávido da aprovação do público só pode estar ansioso por cumprir estas exigências. No entanto, isto apenas acelera a corrida aos bancos, com as famílias e empresas a perceber que os seus depósitos não estão apoiados em activos sólidos.

Pagar aos trabalhadores do sector público com neo-dracmas desvalorizados implica um corte nos salários reais que recebem. O passo final do processo chega com a neo-dracmatização dos salários do sector privado. As empresas voltam a exigi-lo, alegando que, de outra forma, não poderão exportar. Inicialmente os sindicatos opõem-se, mas eventualmente acabam por ceder, assustados pelo fantasma de um desemprego ainda maior. A promessa de controlos de preços selectivos adoça o acordo.

Quão profunda será a desvalorização do neo-dracma? Na Argentina, o número de pesos necessários para comprar um dólar aumentou mais de 300%. A Grécia registou um défice de conta corrente de quase 10% do PIB em 2011, apesar da depressão económica interna. A desvalorização real necessária para restaurar o equilíbrio externo será enorme, talvez maior do que na Argentina.

A Grécia tem actualmente o seu terceiro governo em menos de um ano, e brevemente terá um quarto. A Argentina teve quatro presidentes em menos de dois anos, antes de a situação política e económica estabilizar. Também a Grécia acabará, eventualmente, por estabilizar. Neste ponto, é praticamente o único precedente de esperança que a história da Argentina conta.

Andrés Velasco, antigo ministro das Finanças do Chile, é professor convidado da Universidade de Columbia.

Direitos de Autor: Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org


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