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Jose Ignacio Ríos 19 de Outubro de 2009 às 11:51

Terá a energia nuclear um lugar no "mix" energético português?

Após ter permanecido longe do centro das atenções durante décadas, a energia nuclear volta a ocupar uma posição de destaque na agenda política de numerosos países em todo o mundo. De acordo com um estudo recente da Bain & Company, os países que...

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Após ter permanecido longe do centro das atenções durante décadas, a energia nuclear volta a ocupar uma posição de destaque na agenda política de numerosos países em todo o mundo.

De acordo com um estudo recente da Bain & Company, os países que representam 76% do PIB mundial anunciaram planos para instalação de nova capacidade nuclear. A preocupação crescente com as alterações climáticas, a dependência energética do exterior e a volatilidade dos preços dos combustíveis fósseis explicam em grande medida o interesse renovado por esta fonte de energia.

Apesar de a energia nuclear não se ter desenvolvido em território português até à data, o certo é que, em diversas ocasiões, se considerou a possibilidade de a incluir no mix de geração. Em 1971, planeou-se a construção de 8.000 MW para suprir 70% das necessidades do País. Este projecto foi sendo adiado até ser definitivamente abandonado em 1995. Mais recentemente, em 2005, um consórcio de empresas energéticas propôs a construção de uma central de última geração, estimulando assim significativamente o debate sobre o nuclear. Face a esta iniciativa, a reacção do Executivo não poderia ter sido mais clara, ao declarar que a energia nuclear não tem lugar na agenda política do Governo.

Parafraseando o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair: "Apesar de não ser um entusiasta da energia nuclear, temos, pelos menos, que a incluir na agenda política". Num contexto energético complexo e incerto, a opção pelo nuclear poderia representar parte da solução para os desafios económicos, ambientais e geoestratégicos que se colocam à maioria dos países ocidentais, incluindo Portugal. Neste sentido, não parece razoável descartar esta opção sem uma análise prévia do posicionamento dos países mais próximos nesta matéria e sem a definição das circunstâncias sob as quais faria sentido planear o seu desenvolvimento.

No tocante ao primeiro ponto, houve lugar, nos últimos anos, a uma alteração significativa no posicionamento de diversos países da União Europeia (UE). No entanto, os principais factores que explicam esta alteração variam em função da realidade social, económica e energética de cada país.

Em Fevereiro de 2009, por exemplo, a Suécia decidiu abandonar a proibição do nuclear e deu luz verde ao lançamento de novos projectos para limitar a dependência energética do exterior (principalmente da Noruega) e para enfrentar as alterações climáticas. Neste caso, é provável que a preocupação crescente da sociedade com as alterações climáticas e que os benefícios percepcionados da energia nuclear (80% dos suecos consideram que a energia nuclear contribui para a mitigação das alterações climáticas) tenham influenciado de forma decisiva esta decisão.

No Reino Unido, pelo contrário, o factor-chave que explica o recente favorecimento governamental da energia nuclear encontra-se ligado à segurança do fornecimento. Nos últimos 10 anos, as reservas de gás do Reino Unido reduziram-se a um ritmo alarmante e a opção pelo nuclear é entendida como uma solução não emissora de CO2 que pode contribuir de forma significativa para limitar a vulnerabilidade energética das ilhas.

A vulnerabilidade energética da Alemanha (país muito dependente do gás russo) pode ser considerada também o revulsivo principal a impulsionar a iniciativa do partido de Angela Merkel, a CDU, no sentido de "abandonar o abandono" do nuclear.

Já a Itália, após ter deixado cair a energia atómica no final dos anos 80, decidiu recentemente voltar a construir reactores nucleares. Sendo o maior importador líquido de electricidade do mundo e com um dos custos eléctricos mais elevados da UE, a competitividade económica do país converteu-se provavelmente num factor-chave do caucionamento desta decisão.

Se forem tidos em conta os principais factores que impulsionam a energia nuclear noutros países da UE, a inclusão desta fonte de energia no mix energético português pode ser considerada uma alternativa razoável a médio prazo. Com uma dependência energética superior a 85% em 2006 (face a 21% no Reino Unido e a 61% na Alemanha), com um saldo importador de energia eléctrica de 19% em 2008 (face a 10% em Itália) e com um mix energético em que perto de 50% da energia eléctrica é produzida por fontes emissoras de CO2 (gás, carvão e fuel), a aposta progressiva na energia nuclear, juntamente com o impulsionamento das energias renováveis, poderia constituir-se como uma alternativa válida para a obtenção de um mix energético óptimo.

No entanto, para tornar possível o desenvolvimento do nuclear em Portugal, existem uma série de premissas a cumprir.

Em primeiro lugar, parece razoável a exigência de que os reactores evolutivos demonstrem competitividade económica antes do início de um projecto com esta envergadura, num país com capacidades locais muito limitadas no âmbito nuclear. Encontram-se actualmente em construção os primeiros reactores deste tipo em várias partes do mundo e, como em qualquer projecto de engenharia first of a kind, os desvios de custos e de prazos são consideráveis.

Em segundo lugar, seria imprescindível melhorar o nível de apoio dos cidadãos a esta fonte de energia. De acordo com dados do Eurobarómetro, a opinião pública portuguesa é das mais resistentes à energia nuclear em toda a UE e uma das que mais a desconhece. Portanto, para a obtenção do apoio social à hipotética iniciativa, seria necessário empreender um esforço significativo de divulgação, com o apoio explícito dos responsáveis políticos do País, ao mais alto nível, e encetar um debate sem enviesamentos sobre o papel que a energia nuclear poderia ocupar no mix de geração, com abordagem das questões de segurança e de gestão de resíduos necessárias à sua implementação com garantias.


Partner da Bain & Company
joseignacio.rios@bain.com

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