Opinião
Tempos modernos
A poucos dias (ou mesmo horas) de conhecer de forma mais precisa o conteúdo daquele que - de novo... - se anuncia como o mais exigente e complicado exercício orçamental da nossa História
A poucos dias (ou mesmo horas) de conhecer de forma mais precisa o conteúdo daquele que - de novo... - se anuncia como o mais exigente e complicado exercício orçamental da nossa História, torna-se difícil fugir ao tema. Mas, como tenho a certeza de que não faltará quem esmiúce até ao mais pequeno detalhe cada uma das incontáveis medidas que irão tornar a nossa vida mais penosa em nome de um futuro melhor, é isso mesmo que vou fazer. Afinal, todos temos direito ao nosso momento "há mais vida para além do orçamento"...
Pelo que tenho lido (e sentido), nos últimos dias a vida de muitos milhões de pessoas, entre as quais me incluo, tornou-se ainda mais complicada do que o habitual, ao que parece devido à falha de um simples interruptor algures em Slough, no Sul da Inglaterra. Essa foi, pelo menos, a explicação inicial (mal) dada pela RIM - a empresa que produz os Blackberry - para os enormes problemas de comunicação e acesso ao correio electrónico e à Internet que, nesta segunda-feira, começaram por afectar os utilizadores na Europa, África e Médio Oriente, estendendo-se no dia seguinte a países como a Índia, o Brasil, o Chile ou a Argentina. Aparentemente, o problema estará ultrapassado e hoje esses muitos milhões de pessoas puderam regressar às suas rotinas habituais, depois de três dias de bastante perturbação.
As máquinas, tal como as pessoas, falham. Pelas mais variadas razões. Mas, em geral, somos bastante mais compreensivos com as segundas do que com as primeiras, apesar daquelas falharem menos. Não há nada de verdadeiramente anormal no facto de ocorrerem problemas com os equipamentos que todos utilizamos no dia-a-dia. À medida que a automatização e a electrónica foram entrando nas nossas vidas, tudo aquilo que queremos ou temos de fazer tornou-se aparentemente mais rápido e mais cómodo. Mas, paralelamente, a nossa exigência também aumentou. Dificilmente "perdoamos" ao carro que não pega, à máquina que não lava, à página da Internet que não abre, ao correio electrónico que teima em permanecer imóvel na caixa de saída...
Alguns "vingam-se" no material, aplicando-lhe um correctivo ao bom estilo da educação do antigamente em que um par de bofetadas bem dadas ou mesmo um pontapé aplicado no sítio certo eram sinónimo de solução universal para todos os problemas. Invariavelmente, hoje como então, não é. O material não percebe a mensagem e só por milagre fará aquilo que esperamos dele. Outros simplesmente paralisam, incapazes de reagir. Passo a passo, muitos de nós foram perdendo a capacidade de procurar soluções para os problemas ou fazem-no de forma ainda mais atabalhoada do que o vagabundo encarnado por Chaplin no seu "Tempos Modernos".
Aos poucos, fomo-nos habituando a que os carros saibam para onde nos levar mediante umas simples indicações. Que reconheçam até a voz do dono e obedeçam como qualquer animal doméstico bem treinado. Que documentos urgentes e importantes, certificados e autenticados, atravessem continentes à velocidade da luz e aterrem a tempo e horas no seu destino. Que um número significativo de solicitações se resolva com a ajuda de um simples teclado, real ou virtual.
Esquecemo-nos, contudo, que a "simplificação" das nossas vidas tem um preço. Cada vez dependemos menos de nós e mais das máquinas (e de quem está por trás delas...). As próprias "partidas" que elas nos pregam têm já outra dimensão. Muitas vezes o problema deixou de estar no equipamento que temos à nossa frente, para passar a localizar-se a muitos milhares de quilómetros de distância, noutros equipamentos algures na "nuvem" onde grande parte daquilo que condiciona a nossa vida do dia-a-dia já está ou estará a prazo relativamente curto. Uma simples falha num qualquer interruptor "atrás do sol-posto" bastará para que as máquinas deixem de comunicar entre si e ameacem transformar a nossa vida num relativo inferno, quanto mais não seja por algumas horas ou dias.
Perigoso? Sim. Mas resta-nos, apesar de tudo, o consolo de saber que as máquinas falham menos do que as pessoas, para além de nos ajudarem a resolver os problemas que nós (e não elas) criámos...
Advogado
Assina esta coluna quinzenalmente à quinta-feira, excepcionalmente é publicada hoje
Pelo que tenho lido (e sentido), nos últimos dias a vida de muitos milhões de pessoas, entre as quais me incluo, tornou-se ainda mais complicada do que o habitual, ao que parece devido à falha de um simples interruptor algures em Slough, no Sul da Inglaterra. Essa foi, pelo menos, a explicação inicial (mal) dada pela RIM - a empresa que produz os Blackberry - para os enormes problemas de comunicação e acesso ao correio electrónico e à Internet que, nesta segunda-feira, começaram por afectar os utilizadores na Europa, África e Médio Oriente, estendendo-se no dia seguinte a países como a Índia, o Brasil, o Chile ou a Argentina. Aparentemente, o problema estará ultrapassado e hoje esses muitos milhões de pessoas puderam regressar às suas rotinas habituais, depois de três dias de bastante perturbação.
Alguns "vingam-se" no material, aplicando-lhe um correctivo ao bom estilo da educação do antigamente em que um par de bofetadas bem dadas ou mesmo um pontapé aplicado no sítio certo eram sinónimo de solução universal para todos os problemas. Invariavelmente, hoje como então, não é. O material não percebe a mensagem e só por milagre fará aquilo que esperamos dele. Outros simplesmente paralisam, incapazes de reagir. Passo a passo, muitos de nós foram perdendo a capacidade de procurar soluções para os problemas ou fazem-no de forma ainda mais atabalhoada do que o vagabundo encarnado por Chaplin no seu "Tempos Modernos".
Aos poucos, fomo-nos habituando a que os carros saibam para onde nos levar mediante umas simples indicações. Que reconheçam até a voz do dono e obedeçam como qualquer animal doméstico bem treinado. Que documentos urgentes e importantes, certificados e autenticados, atravessem continentes à velocidade da luz e aterrem a tempo e horas no seu destino. Que um número significativo de solicitações se resolva com a ajuda de um simples teclado, real ou virtual.
Esquecemo-nos, contudo, que a "simplificação" das nossas vidas tem um preço. Cada vez dependemos menos de nós e mais das máquinas (e de quem está por trás delas...). As próprias "partidas" que elas nos pregam têm já outra dimensão. Muitas vezes o problema deixou de estar no equipamento que temos à nossa frente, para passar a localizar-se a muitos milhares de quilómetros de distância, noutros equipamentos algures na "nuvem" onde grande parte daquilo que condiciona a nossa vida do dia-a-dia já está ou estará a prazo relativamente curto. Uma simples falha num qualquer interruptor "atrás do sol-posto" bastará para que as máquinas deixem de comunicar entre si e ameacem transformar a nossa vida num relativo inferno, quanto mais não seja por algumas horas ou dias.
Perigoso? Sim. Mas resta-nos, apesar de tudo, o consolo de saber que as máquinas falham menos do que as pessoas, para além de nos ajudarem a resolver os problemas que nós (e não elas) criámos...
Advogado
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