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28 de Dezembro de 2004 às 11:59

Tempo de balanço

Neste tempo que é, a vários títulos, de balanço, mais do que ponderar os ganhos e perdas do ano, do governo e da coligação que chegam ao fim, importa avaliar os modelos de análise e política económica que se tornaram dominantes entre nós e que são em boa

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Neste tempo que é, a vários títulos, de balanço, mais do que ponderar os ganhos e perdas do ano, do governo e da coligação que chegam ao fim, importa avaliar os modelos de análise e política económica que se tornaram dominantes entre nós e que são em boa parte responsáveis pelos resultados negativos dos exercícios que agora terminam.

No que respeita ao modelo de análise, dificilmente poderíamos desejar melhor exemplo que o que nos foi proporcionado pela crença na retoma que conquistou o país no primeiro semestre de 2004. A pura propaganda teve naturalmente o seu papel, mas não teria conseguido um resultado tão avassalador se não pudesse invocar análises e previsões credíveis.

O problema está em que estas se limitam essencialmente ao curto prazo, assentam em previsões macroeconómicas internacionais e em informações de conjuntura com lacunas graves, de que é exemplo a inexistência de bons indicadores da evolução dos custos salariais e da produtividade.

A deficiente articulação com aspectos estruturais e com as suas implicações de curto prazo surge especialmente nítida nas hipóteses relativas às transacções com o exterior, precisamente as que determinaram o injustificado optimismo do início do ano.

A melhoria do saldo comercial que, em 2002/2003, resultou da quebra da procura interna, parece ter obscurecido, nos modelos de análise utilizados, a perda de competitividade da produção nacional face às importações, levando a subestimar claramente o impacto naquele saldo do crescimento do consumo privado e do investimento, sem o qual, porém, não existirá retoma.

Pior ainda é a situação no que respeita às exportações. As previsões do início de 2004 quanto à manutenção das quotas de mercado das exportações portuguesas ignoraram evoluções conhecidas em indústrias com peso significativo no comércio externo português e sujeitas a grandes mudanças estruturais a nível internacional.

Entre estas destacam-se as indústrias têxteis e do vestuário (ITV), em que a extinção do Acordo Multifibras no final de 2004, somada às profundas alterações já ocorridas no comércio mundial e europeu (que afectam igualmente indústrias tão importantes como a automóvel ou a do calçado), não podiam deixar de ter implicações fortes nas exportações e no emprego em Portugal.

Um segundo exemplo respeita ao sector do turismo onde, por uma lado, se tem vindo a acentuar a perda de competitividade da Península Ibérica face aos países do Mediterrâneo Oriental e, por outro, se sofre da falta de dinamismo do consumo privado das grandes economias europeias, principais clientes de Portugal e Espanha nesta área.

O efeito momentâneo do Euro 2004 foi claramente sobreavaliado, o que acabou por ter efeitos muito negativos sobre a política económica e sobre as expectativas dos consumidores e dos empresários, mais uma vez estimuladas apenas para se verem, de novo, rapidamente frustradas.

Finalmente, desprezou-se o efeito da transição rápida das economias do Leste europeu que, em Maio, culminou com a adesão de dez novos países à UE. Dentre estes, por exemplo, a modesta Eslováquia tornou-se no maior produtor per capita de automóveis de toda a OCDE.

Com fracos indicadores de competitividade e sofrendo de desequilíbrios macroeconómicos graves (onde se destaca uma taxa de desemprego próxima dos 20%), mas com grande vontade de afirmação nacional, uma política fiscal agressiva e os segundos mais baixos custos salariais da OCDE, a perspectiva de adesão à UE atraiu investimento estrangeiro em grande escala, na sequência do que já tinha acontecido com outros dos novos membros da UE.

Todos estes factores têm estado ausentes das previsões para a economia portuguesa, o que ajudou a justificar uma política cuja ineficácia está à vista. Em matéria estrutural elaboraram-se programas cuja sequência se desconhece, mudaram-se leis sem que o efeito da mudança fosse avaliado e, como está a suceder nas ITV, dez anos depois de decidido o fim faseado do Acordo Multifibras, a maior parte do sector não está preparada para lhe fazer face.

O tema forte foi a consolidação orçamental, de que deveria decorrer o "ajustamento não keynesiano" que remediaria todos os erros do passado. Acreditou-se que o corte súbito do défice orçamental, ampliado pela retórica, mais do que pelas medidas de política, seria bastante para estimular a economia e reorientá-la na direcção certa - a dos sectores transacionáveis - corrigindo o erro óbvio da política anterior que deixara que a expansão assentasse exclusivamente na procura interna.

Um ajustamento destes pode ocorrer se for apoiado por uma política estrutural adequada. Na ausência desta e num ambiente de confronto político, que fez perder a confiança num programa de consolidação socialmente equilibrado, o ajustamento que resultou da restrição orçamental depressa se revelou estritamente keynesiano, acabando por resultar num défice mais elevado que o inicial e numa economia ainda mais fragilizada.

Os dados relativos à parte final de 2004 mostram, com toda a clareza, que o mito da retoma se esfumou e que a competitividade da economia continua a agravar-se. Para 2005, o melhor que podemos esperar é que nos livre dos simplismos que pretendem resolver à martelada problemas complexos e nos reserve um pouco mais de bom senso, de honestidade política e também da sageza necessária para ajudar a encontrar soluções reais para os problemas, em vez daquela com que alguns intelectuais se comprazem em recordar a nossa arraigada incapacidade para os resolver.

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