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Telecomunicações, consolidação e concorrência

A Europa é palco de uma notável vaga de consolidação nas telecomunicações desde há pouco mais de um ano, animando os mercados naquela que foi a primeira indústria de rede liberalizada sob pilotagem da Comissão Europeia.

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Os reguladores nacionais remexem-se, desconfortáveis, nas cadeiras, acusando a Comissão de excessiva tolerância. A Comissão atual defende-se invocando os "remédios" impostos às empresas. Juncker, na antecâmara da Comissão vindoura, declara que "existem operadores e reguladores a mais nas telecomunicações" e que "há que abolir este sistema". Os políticos nacionais pendulam entre o discurso pró-consumidor e anti-consolidação, de um lado, e o receio da voracidade de sul-americanos e chineses que olham gulosamente para as depauperadas finanças das telecoms europeias, de outro. A indústria chia, despedindo-se incrédula das consecutivas fatias de margem que a regulação vai talhando a golpe de catana. E os analistas, compreensivelmente, interrogam-se: quo vadis?

 

No início de 2013 o número de operadores na Áustria reduziu-se de 4 para 3 com a compra da Orange Austria pela Hutchison Whampoa por € 1.300 milhões. Confiante, a Hutchison avançou para a Irlanda e em maio de 2014 adquiriu à Telefónica a O2 na Irlanda por € 850 milhões, reduzindo também aqui o mercado de 4 para 3 "players". Há três semanas obtiveram luz verde a aquisição em Espanha da Ono pela Vodafone por € 7.200 milhões e a compra da operação da KPN holandesa na Alemanha (E-Plus) pela Telefónica por € 11.700 milhões, outra redução de 4 para 3 operadores. Traço comum: a autorização concedida (com mais ou menos "remédios") pela Comissão Europeia à luz das regras de concorrência.

 

A intenção da Comissão Europeia de aprovar a compra da E-Plus pela Telefónica causou uma inusitada rebelião por parte dos reguladores nacionais que, em regra, a apoiam. Almunía viu-se comprimido entre o discurso duro que vinha tendo para aparar os golpes daqueles que o seu imaculado passado sindicalista não podia considerar senão empedernidos patrões, e o chuveiro de realismo que (ironicamente) irrompeu do Palácio do Eliseu em fevereiro passado numa reunião com a European Roud Table (CEO de multinacionais europeias), no fim da qual uma chanceler ainda de muletas considerou que o resultado do escrutínio concorrencial não podia ser – como de facto tantas vezes é – uma lotaria incerta.

 

O ruído de fundo no gabinete de Almunía tem sido o discurso estridente da sua colega de Comissão responsável pela "Agenda Digital" que, desde o início do mandato, clama por um mercado único das comunicações na Europa. Após os cortes nas taxas de terminação, a Comissão impôs desde 1 de julho passado reduções de 55% nos preços de "roaming" para transmissão de dados e de 21% para chamadas, cortes que – reconheça-se – ditariam um cerrar de portas para a maioria das indústrias mas que no fortunado caso das telecomunicações provoca um simples cerrar de dentes.

 

A questão que teimosamente reaparece é a de saber se a liturgia inerente à aplicação científica das regras de concorrência no setor das telecomunicações deve ser prosseguida independentemente das mutações no ecossistema e se, portanto, os animais de grande porte (analiticamente suspeitos) devem ou não ser autorizados a sobreviver, nomeadamente quando a sua sobrevivência (ou a dos seus acionistas) só se torna possível através da deglutição de concorrentes momentaneamente apetitosos.

 

De um lado acena a preocupação suscitada pela fusão na Áustria, a que seguiu um aumento de preços superior a 11%. Do outro, a reiterada e – crê-se – genuína vontade política de ver um investimento massivo na fibra ótica e nas tecnologias móveis que promova um crescente tráfego de dados móveis multiplicador da competitividade da economia europeia.

 

A aprovação das consecutivas concentrações no setor das telecoms por parte do chefe de fila da concorrência na Europa permite, naturalmente, várias interpretações. As mais cínicas dirão: fim de mandato. As mais benévolas acharão: realismo. As mais crentes: conversão.

 

Circunstancial ou não, o fenómeno chama as autoridades de concorrência à colação. O desenho de políticas de inovação e a sedução dos operadores para estratégias de investimento já não depende só dos Governos. Passa sobretudo pelas autoridades de concorrência na medida em que acomodem o grau de cooperação e concentração que as empresas considerem necessário para realizar os investimentos em fibra ótica e 4G reclamados pelos Governos. E passa também pelos reguladores setoriais e pelo grau de realismo com que lidem com a inevitável recusa em investir por parte de quem se veja na contingência de ter de partilhar com os concorrentes o fruto do seu esforço.

 

Em Portugal, o discurso concorrencial tem sido menos esquizofrénico do que o oriundo da Europa. Vejam-se, aliás, as fusões Zon/Optimus e PT/Oi. Veremos depois do verão qual o impacto de uma nova Comissão Europeia capitaneada por quem quer "abolir este sistema".

 

Sócio da Vieira de Almeida & Associados

 

Este artigo está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.

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