Opinião
TAP: fazer figas para que falhe
Com resultados negativos nos anos antes da pandemia, com um buraco de quase 400 milhões nos anos 2017 e 2018, em relação ao que era previsto, a TAP ostentava condições operacionais pouco competitivas no panorama europeu.
Está entregue em Bruxelas o plano de reestruturação da TAP, feito a meio da crise pandémica no decorrer do pior ano de sempre para a aviação. Com reduções da procura na ordem dos 70% e com as previsões muito incertas sobre o futuro do sector, à TAP só restavam dois caminhos: ou o Estado a socorria de forma efectiva ou a empresa fechava definitivamente, com tudo o que isso significa para a economia portuguesa.
Com resultados negativos nos anos antes da pandemia, com um buraco de quase 400 milhões nos anos 2017 e 2018, em relação ao que era previsto, a TAP ostentava condições operacionais pouco competitivas no panorama europeu: tinha um rácio de pilotos e tripulantes bastante acima da média dos concorrentes e com uma média de remunerações entre 25 e 40% mais elevada que as restantes companhias de bandeira europeia.
Sendo esta a situação, vale a pena responder a algumas questões que têm sido levantadas e cujo esclarecimento afigura-se-nos essencial.
Comecemos pelo princípio. Neeleman saiu da companhia com uma indemnização milionária? Se somarmos os 50 milhões de obrigações e os 224 milhões de suprimentos que o empresário detinha, sem fazer contas com os 22,5% da sua posição acionista, podemos dizer que a factura efectiva seria de 274 milhões. Sem fazer nada, este empresário teria um papel na reestruturação da empresa, condicionando a sua estratégia. Assim, a negociação de 55 milhões assegurou o fim da potencial litigância que afectaria a estabilidade da TAP e impediu que Neeleman influenciasse a nova estratégia.
A segunda discussão era que o Estado deveria ter dado oportunidade aos privados para recuperar a empresa. Quem pensa que isto seria um cenário possível, desconhece o essencial do processo. A dimensão da pandemia e a escassez de meios financeiros por parte dos sócios privados afastava, de imediato, este cenário. Com a privatização, a Parpública enviou uma carta de conforto aos bancos a assegurar que empréstimos passados, presentes e futuros estariam garantidos pelo Estado. Em síntese, o Estado iria garantir todos os meios sem ter capacidade de decisão na reestruturação. De resto, vale a pena não esquecer que, com a privatização, o Estado ficou com 1/3 da empresa, mas apenas com 1/5 da comissão executiva (2 em 11). A recompra pelo Estado não alterou este cenário.
A terceira controvérsia, muito propalada, tem sido a de que haveria um programa especial na UE que evitaria uma reestruturação. Na verdade, além do quadro de reestruturação de empresas, foi criado o quadro temporário covid. Contudo, a TAP não preenchia as condições de acesso a este mecanismo, seja porque tinha capitais negativos (500 milhões), seja porque a sua dívida vencida já era de 30 milhões. Nada disto era consequência da pandemia. As dificuldades já eram anteriores. Mesmo assim, o tempo veio a demonstrar que todas as companhias que acederam ao quadro temporário não estão a passar por nenhum milagre de gestão: as frotas também estão a ser diminuídas, os salários estão a baixar e os recursos humanos estão a emagrecer. O que me parece uma abordagem racional, tendo em conta as previsões da procura. Só uma miopia incompetente avançava com uma reestruturação sem ter em conta as ações da concorrência, sobretudo num mercado fortemente concorrencial. De resto, ainda sobra um argumento aos defensores do “pseudo-milagre do quadro temporário”: se Portugal tivesse candidatado a TAP SA, e não a TAP SGPS, o resultado teria sido diferente porque aquela ostentava contas saudáveis. Contudo não só a CE restringiu o acesso ao critério “grupo” como, ainda por cima, o maior activo da TAP SA é uma dívida superior a 800 milhões da TAP SGPS.
Finalmente, a última questão. Há quem considere que o plano de reestruturação deveria ser tornado público antes da entrega à CE para apreciação. É claro que o governo irá disponibilizar o plano depois da discussão em Bruxelas, mas parece evidente que, tendo em conta a existência de informação comercial, de enorme utilidade para os concorrentes, torna-se prudente tomar as devidas precauções. É verdade que o PSD e o CDS também tentaram, não direi sabotar, por desvelo político, mas, no mínimo, dificultar, eufemismo muito suave, o trabalho de recuperação da CGD, usando a mesma abordagem. Para isso multiplicaram as comissões de inquérito de um banco em funcionamento, condicionado a sua performance. O mesmo agora com a TAP. Esperava-se mais responsabilidade. Como diria Talleyrand, não aprenderam nada, nem esqueceram nada!
Deputado, Vice-presidente do GPPS
Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico