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12 de Março de 2008 às 13:59

Se as mudanças mudassem

Numa tarde em Maputo, em véspera de eleições governamentais, a televisão mostra uma reportagem de rua em que se pergunta aos transeuntes o que mais desejariam que o novo governo lhes trouxesse. Um deles respondeu: “que as mudanças mudem...”. Nimbava o seu

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Ainda no outro dia, enquanto descia uma das ruas do Chiado, dei comigo a pensar nelas e eis que uma figura juvenil de gesto decidido, queixo levantado, do tipo “homem Light” de Enrique Rojas, me estende um papelinho quadrado, num prateado elegante impresso a letras pretas: “Professor Doutor Libório, especialista em mudança. Dotado de um Dom Hereditário. Resolve todos os problemas de mudança nas organizações, mesmo os mais desesperados: produtividade, absentismo, stress financeiro, cobrança de dívidas de longa duração, fidelidade dos empregados, fidelidade dos clientes, fidelidade dos fornecedores, traição dos clientes e dos fornecedores, lançamento de novos produtos, relançamento de velhos produtos, logística, negociação e todos os demais problemas comuns às organizações, especialmente os intangíveis. Dentro dos intangíveis destaque para os problemas de amor não correspondido dentro da organização. Doutorado e pós-doutorado no estrangeiro desenvolve desde há muito técnicas inovadoras respeitantes à ligação entre as empresas e os seus principais stakeholders. Se quiser uma vida nova para a sua organização e pôr fim a todos os problemas que a afectam, contacte o Professor Doutor Libório. Ele tratará o seu problema com rapidez, honestidade, qualidade e eficácia. Consultas das 8 às 22 horas de Segunda a Domingo, pessoalmente ou por carta. Pagamento depois dos resultados obtidos.”

A pertinência da oferta, a sua abrangência, a flexibilidade do serviço e a confiança na obtenção de resultados deixaram-me estupefacta. Estaria ali a solução para os problemas organizacionais, talvez até governamentais como o que preocupava o entrevistado de Maputo? Consultei um colega, professor de Estratégia no ISCTE, que desde logo analisou o conteúdo na perspectiva preferida que confere às suas aulas: a da teoria dos recursos. “O homem preocupa-se com os recursos” disse-me, “o seu dom é hereditário, logo não passível de transferência de uma pessoa para outra, a não ser para os filhos. É um dom raro, não transmissível pelo que tem reunidas as condições para criar uma vantagem competitiva sustentada”. Explicou-me ainda que o texto é claro na enunciação dos valores que guiam a actividade de Libório: rapidez, honestidade, qualidade e eficácia. Ao aliar rapidez e qualidade estamos perante um caso de grande sofisticação, normal em organizações japonesas mas ainda mal conseguida noutras latitudes. No caso de Libório não se trata de simples retórica pois de outro modo não arriscaria receber só depois de terem sido obtidos resultados. Num momento de desmotivação generalizada da população portuguesa em que alguns até se interrogam sobre uma possível integração em Espanha, Libório age e exsuda autoconfiança. É um exemplo a seguir.

Poderão dizer-me que Libório se especializou na resolução de problemas intangíveis, difíceis de quantificar e de medir, mas isso apenas acresce ao seu valor pois ele aposta todo o seu prestígio e rendimentos na exclusiva qualidade do seu trabalho. Poderão ainda contestar a polivalência da oferta potencialmente geradora de simplificação excessiva e de não focalização nas competências chave do negócio, mas não podemos esquecer-nos que Libório se doutorou e pós-doutorou no estrangeiro o que desde logo lhe confere capacidades excepcionais e um conhecimento que ele não hesita em partilhar com os seus compatriotas. Veja-se como Libório fala na fidelidade dos empregados mas não na sua traição, prova de que ele está a par das mais modernas teorias de gestão.

Depois de dissecado o texto de Libório senti-me, em consciência, satisfeita. Os países que têm progredido no mundo têm-no conseguido pela acção e não pela ebulição. O bicho-da-seda que tece o fio não é tão assustador como a borboleta que rompe o casulo.

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