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25 de Setembro de 2007 às 13:59

Regulação Financeira

No final de Dezembro de 2006, Lawrence Summers, professor de Harvard e antigo Secretário do Tesouro americano na administração Clinton, abria assim um comentário publicado no Financial Times: O novo ano iniciar-se-á com a maior divergência observada na pr

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Se é certo que, desde há anos, os primeiros se têm mostrado mais alarmados com o estado do mundo do que os mercados globais, a divergência acentuou-se em 2006, com os mercados a revelarem crescente serenidade ao mesmo tempo que a ansiedade geral aumentava.

Como explicações desta divergência, Summers apontava a excelente conjuntura económica mundial, a tendência dos mercados financeiros para concentrarem as sua análises num conjunto de factos relativamente estreito e de impacto imediato, mas também o efeito da inovação financeira que liberta as instituições da necessidade de manterem no seu balanço mais do que uma pequena parcela dos financiamentos por si concedidos, ao mesmo tempo que lhes permite defenderem-se do risco graças ao uso de derivados. Assim, as técnicas mais sofisticadas tinham permitido que as instituições aceitassem riscos que há alguns anos teriam recusado.

 A inexistência de experiência quanto ao modo como essas inovações se comportariam em tempos anormais constituía, no entanto, um motivo de preocupação, devendo recordar-se que, em crises anteriores, instrumentos que tinham contribuído para a acomodação do risco acabaram por tornar-se em fontes de instabilidade. Se o ano de 2007 iria dar razão aos comentadores ou aos mercados era uma questão em aberto, podendo apenas sublinhar-se que, “no que respeita aos mercados, talvez o que mais tenhamos a temer seja a própria ausência de medo.”

Nesse artigo, como nas análises de muitos outros autores, eram claramente enumerados os factores que levaram à crise a que estamos a assistir, o que demostra que ela tinha muito de previsível. Esse carácter acentuou-se fortemente a partir de Fevereiro, quando se declarou a crise das hipotecas de alto risco nos Estados Unidos. As autoridades americanas esforçaram-se por conter os seus efeitos e não faltou quem sublinhasse o reduzido peso desse mercado para concluir que continuava a justificar-se a “ausência de medo”. Assim, embora os textos de organismos internacionais responsáveis não deixassem dúvidas quanto aos riscos da situação, não vimos tomar medidas capazes de prevenir o aprofundamento e alastramento da crise. Que também não se chegou a qualquer acordo de bastidores veio a ser suficientemente confirmado pela cacofonia das reacções e, em especial, pela divergência do Banco de Inglaterra no respeitante à concessão de liquidez aos mercados monetários, acabando por ressuscitar um fenómeno – a corrida a um banco e a sua salvação desordenada – que se julgava erradicado há décadas.

As questões da regulação dos mercados financeiros e da necessidade de coordenação internacional na matéria voltam, assim, à ordem do dia. A tarefa é, contudo, hercúlea. Em primeiro lugar, as posições de partida continuam demasiado diferentes, mesmo entre os países desenvolvidos. Se lhes juntarmos os grandes detentores de reservas a nível mundial – em particular a China e os países exportadores de petróleo – de cujos actos dependem, em grande medida, os instáveis equilíbrios em que o mundo tem vivido, a situação fica muito mais complicada. Para perceber até que ponto, basta lembrar a possibilidade de a China decidir transformar parte da sua montanha de bilhetes do Tesouro americanos em activos reais nos Estados Unidos – sem, portanto, pôr em causa o dólar, mas rentabilizando as suas reservas e, o que não é despiciendo, reforçando o seu poder.

Mesmo no plano estritamente técnico, os problemas são enormes. Desde logo estamos a observar que os aparentemente omnipotentes bancos centrais têm muito poucos instrumentos para controlar uma crise financeira. Por um lado, discute-se até que ponto, ao longo dos últimos anos, o Fed se tornou refém de Wall Street; por outro, verificamos a dificuldade generalizada em controlar a própria liquidez dos mercados monetários e levar as taxas de juro para os níveis desejados. O desnível persistente entre a taxa de intervenção do BCE e a Euribor é disso testemunho.

Directamente na área da regulação financeira, os problemas são igualmente complexos. No início de 2008 entram em vigor na Europa as novas regras de adequação do capital dos bancos conhecidas pelo sistema de Basileia II. A sua negociação e implementação levou anos e suscitou viva discussão. Algumas críticas que lhe foram feitas parecem agora especialmente pertinentes. A primeira respeita ao facto de concentrar as atenções exclusivamente nos bancos, quando a inovação financeira aprofundou a ligação entre os diversos segmentos do sistema ao ponto de os tornar indistinguíveis. A segunda tem a ver com o seu carácter procíclico: o sistema tende a reduzir a capacidade de concessão de crédito precisamente quando as economias entram em desaceleração. Outra crítica fundamental refere-se ao facto de o sistema incidir sobre os procedimentos de avaliação do risco de crédito e não sobre os resultados. Daí a ênfase na adopção de modelos matemáticos de medição do risco, opacos e dispendiosos, em detrimento da análise e acompanhamento do crédito, própria da banca tradicional. O exemplo das subprime mostra onde podem levar os modelos.

Não basta, pois, neste momento exibir optimismo quanto à boa situação da economia mundial – todas as crises sucederam a fases de euforia – e menos ainda para cada um se acantonar na defesa dos modelos caros às suas clientelas. É preciso reconhecer que o actual sistema financeiro global é um animal diferente, ainda por domar, e que a curteza de vistas na sua regulação pode ter consequências históricas.

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