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12 de Julho de 2006 às 13:59

Reflexões acerca do capitalismo actual

Perdoem-me os leitores que o mote deste artigo seja uma longa citação de Joseph Stiglitz, retirada de um artigo que saiu na imprensa internacional ...

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Perdoem-me os leitores que o mote deste artigo seja uma longa citação de Joseph Stiglitz, retirada de um artigo que saiu na imprensa internacional 1*, onde de uma forma prudente e com alguma delicadeza, o professor da Universidade de Columbia, Nobel da Economia de 2001, afirmava o seguinte: «Como é óbvio, existe algo de peculiar num sistema financeiro global onde o País mais rico do Mundo, os EUA, pede diariamente emprestado mais de 2 mil milhões de dólares aos países mais pobres – ao mesmo tempo que lhes ensina os princípios do bom governo e da responsabilidade orçamental».

Ou seja, os EUA para o financiamento corrente, interno e externo, da sua economia, precisam de se endividar fortemente junto de todo o resto do Mundo. Aliás, diga-se em abono da verdade, que uma das primeiras vezes que fui a Nova York, nos finais da década de 80,  fiquei fascinado com o facto deste fenómeno, da dívida externa dos EUA (e dos chamados «déficits» gémeos), ser anunciado e actualizado ao segundo, num gigantesco painel electrónico colocado em plena Times Square...

Realmente, algo não está bem e, como todos sabemos que a economia contemporânea, desde que foi descoberta, tem horror aos desequilíbrios, é muito possível que um dia destes o sistema global reaja com maior ou menor veemência. O facto é que o desequilíbrio existe e é enorme: enquanto o déficit comercial norte americano ultrapassa os 800 mil milhões de dólares os excedentes gerados em conjunto pela Europa, Japão, China e Índia não irão além de metade daquele valor. E o resto do Mundo, que sobra, pouco conta para esta contabilidade...

O sistema quando se sente ameaçado reage; uma vezes beneficamente, outras de uma forma que torna imprevisíveis as trajectórias e os pontos de chegada. Foi assim após a II Guerra Mundial com o keynesianismo triunfante, perante a ameaça da organização comunista, e a criação dos welfare state que viabilizaram conjuntamente as décadas de ouro do capitalismo do século passado. Depois, perante a constatação brusca das vulnerabilidades desse crescimento, designadamente a dependência energética que as duas crises do petrolíferas exibiram de forma brutal, e a agonia do bloco de leste, assistiu-se à reacção das grandes empresas multinacionais que se lançaram decididamente na conquista de novos mercados à escala planetária.

Entretanto o comunismo, como alternativa económica, soçobrou por falta de capacidade para inovar e se manter competitivo perante a cada vez maior agressividade das formas actuais do capitalismo global: no fundo a excepção foi a China que, com a sua milenar sabedoria e com mais ou menos materialismo dialéctico, seguiu o velho aforismo: se não podes vencê-los, junta-te a eles. Esperemos que na fase seguinte não acabe por nos vencer mesmo.

Por esta altura teve início a crise da teoria macro-económica que praticamente desapareceu surgindo em sua substituição uma versão hard do primado da micro ou, para ser mais claro, o primado de uma nova empresa que privilegia novas formas de produção de valor no quadro daquela competitividade sempre crescente: simbolicamente é o fim de uma época industrial dominada pelo automóvel suplantada pelo nascimento de outra onde pontifica o já mítico Silicon Valley incubadora das novas tecnologias de comunicação e de informação.

A partir de meados dos anos 80, criar valor constitui-se na expressão que traduz o alfa e ómega da actividade económica. A questão é que o conceito se foi afunilando, transformando-se na criação de valor para o accionista preterindo, implicitamente, todos os outros interesses em presença (dos consumidores, dos trabalhadores, dos fornecedores...); um dos seus arautos e responsáveis por este afunilamento foi aliás, entre outros, o nosso bem conhecido Jack Welch que em 1981, já à frente da GE, se transformou no campeão do conceito.

É nesta nova economia que vivemos; uma economia global imposta e suportada sobretudo pelos mercados financeiros, voláteis e sensíveis por natureza, que parecem estar sempre à beira de um ataque de nervos, os equilíbrios sempre prontos a romper-se, atentos à oportunidade de um bom pretexto para lançar a confusão e o pânico, mesmo que temporário, de que afinal são sempre os únicos ganhadores.

Daí a delicadeza com que Stiglitz trata o tema. Porque, em essência, a questão é a seguinte: apesar de até aqui ter sido possível fazer um razoavelmente adequado controlo de danos, fica-nos a sensação de que os velhos estados já não possuem meios de regulação suficientes e que, mesmo as grandes instituições internacionais, ainda não se conseguem impor com a eficácia que a realidade actualmente exige.

1* Em Portugal foi publicada uma tradução no «Diário Económico», de 19.06.06.

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