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"Déjà vu" eleitoral

De certeza que não sou a única com uma estranha sensação de "déjà vu" em relação à campanha presidencial que se configura.

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Estamos, em muitos aspectos, de regresso às últimas eleições presidenciais de 2006. De um lado temos o candidato (ainda que não oficializado) da direita unida, Cavaco Silva. À esquerda, a mais recente notícia da candidatura de Francisco Lopes, do PCP, já pôs definitivamente de lado a unidade à esquerda. É certo que desta vez Alegre, que em 2006 apareceu como o candidato independente, é agora apoiado pelo PS e pelo Bloco de Esquerda. Mas nem assim a esquerda se livrou de candidatos independentes: Tanto Fernando Nobre como Defensor de Moura enquadram-se nessa categoria.

Com tantas semelhanças, será que podemos prever um desfecho semelhante nesta eleição? Parece que sim, a julgar por alguns artigos publicados recentemente. Com a entrada de Lopes na corrida, e com a direita obedientemente a resistir à apresentação de um candidato, argumenta-se que a reeleição de Cavaco ficou mais fácil se o conseguir na primeira volta. A fragmentação das candidaturas à esquerda foi o principal factor explicativo da vitória de Cavaco, ou terão havido outros factores mais importantes?

Para começar a responder a esta pergunta temos de perceber o que aconteceu na última eleição, e porque ainda estamos no Verão, e nem todos os candidatos estão no terreno, proponho um excelente livro de um jornalista que contém as respostas do campo soarista a esta questão. O livro é de Filipe Santos Costa, e chama-se "A Última Campanha" (Lisboa: Palavra). Publicado em 2006, resulta de uma investigação jornalística antes e depois daquelas eleições. Incluiu entrevistas em profundidade ao círculo mais próximo de Soares, a análise de jornais e a cobertura da campanha.

Quanto à questão da unidade de esquerda, ela foi sem dúvida um factor importante segundo os protagonistas desta história. O próprio Soares admite que foi um erro não ter garantido formalmente o apoio de toda a esquerda antes de ele se candidatar. Houve várias conversas nesse sentido, tanto com o PCP como com o BE. O PCP foi o primeiro a anunciar uma candidatura própria: Como explica Medeiros Ferreira, foi a indiferença de Sócrates e do governo em conseguir o entendimento que afastou o PCP: "era preciso alguém que se comprometesse em nome do PS e do governo".

Mas houve outros factores. Como o próprio Soares explica no livro - com grande à vontade de resto - grande parte da responsabilidade foi sua: "Sobrevalorizei a minha candidatura... achei que as pessoas gostavam de mim e me iriam apoiar - se calhar gostavam e não é isso que está em causa, mas não votaram. E depois houve também a inveja, os velhos não me perdoaram por eu estar em forma, achavam que eu devia estar no sofá como eles".

Ainda segundo Soares, houve uma subavaliação de Alegre: "Nunca pensei que votassem no "Manel" Alegre, com aquele discurso, aquilo não era nada, a atacar os partidos, com se viesse de fora."

E ainda achava que o PS devia ter tratado das presidenciais com mais empenho. Sócrates esteve presente apenas em dois comícios, um no Porto e outro em Lisboa. Soares pessoalmente nunca se queixou do fraco empenho que Sócrates demonstrou na campanha. A quatro dias das eleições, o governo encerrou as negociações com a Função Pública com uma perda de poder de compra para estes trabalhadores de 0,8%. Até no último dia de campanha foi publicado em Diário da República uma subida dos combustíveis.

Sem dúvida, portanto, que para Cavaco, esta reedição da fragmentação da esquerda é, à partida, uma boa notícia. Mas este não é o único factor: além das questões pessoais, tão importantes numa eleição unipessoal, existe o factor Sócrates. Mas mesmo aí, também poderemos sentir o mesmo "déjà vu": medidas difíceis tomadas pelo governo durante a campanha à mistura com distanciamento do primeiro-ministro. Para já as notícias são de facto animadoras para os lados do Palácio de Belém.



Politóloga
marinacosta.lobo@gmail.com
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