Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião
Virgínia Trigo 08 de Setembro de 2009 às 11:32

Quarto 126

A década de 1970 assistiu à ascensão do Japão enquanto potência económica mundial, ascensão essa que já vinha preparando desde o fim da segunda guerra. Mas ainda ninguém lhe dava crédito. Os japoneses eram pessoas pequenas, que fabricavam coisas...

  • 5
  • ...
A década de 1970 assistiu à ascensão do Japão enquanto potência económica mundial, ascensão essa que já vinha preparando desde o fim da segunda guerra. Mas ainda ninguém lhe dava crédito. Os japoneses eram pessoas pequenas, que fabricavam coisas pequenas: relógios, máquinas de calcular e imitações, muitas imitações. Como imitavam os japoneses e como era má a qualidade dos seus produtos... Nessa altura eu tinha um Honda e com ele subia a custo o troço da auto-estrada a seguir ao Viaduto Duarte Pacheco rodeada de simpáticos piropos como é nosso costume: "Tira daí essa carroça!" Era um Honda, a complacência mínima e eu ainda não conhecia a frase que haveria de tornar a marca famosa: "É num Honda que encontramos as pessoas mais giras". Mas foi precisamente o mercado automóvel a primeira grande conquista do Japão quando, a seguir ao primeiro choque petrolífero, os automóveis japoneses começaram a inundar as estradas americanas, ferindo, além do mais, o orgulho nacional: o automóvel é, por excelência, um produto americano.

Já antes a motorizada Honda - algo ainda assim pequeno e portanto à escala japonesa - tinha batido a Harley-Davidson e a BMW tornando-se num dos exemplos mais citados nos livros de gestão. Neles fala-se numa estratégia de produção implacável baseada na curva de experiência, uma amálgama entre redução de preços, economias de escala e mais redução de preços. Esta realidade já de si brilhante esconde o grande trunfo do Japão: a sua capacidade em realizar inovações sociais, que são difíceis de entender e portanto de imitar pelos concorrentes. Foram os japoneses que introduziram o conceito do binómio qualidade/preço, que colocaram as pessoas de facto no centro do processo produtivo, que inverteram o processo de tomada de decisão, que inventaram uma forma única de gestão de stocks, etc, etc..., até se tornarem e se manterem na segunda posição da economia mundial. Era um país pobre e sem recursos.

Que não nos iludamos pois quanto à China. Ainda ontem ouvi que tinha de esperar cinco dias quando levei um par de calças para fazer baínhas a uma loja especializada e comentei: "imagine que há duas semanas na China pedi este mesmo trabalho e executaram-no à minha vista, em menos de dez minutos". "Isso é na China", retorquiu a simpática senhora; "têm centenas de pessoas escravizadas a trabalhar por tostão e meio". Não foi o caso minha senhora, era uma única empregada, num balcão estrategicamente colocado no meio de um grande centro comercial que serve todas as lojas. A rapidez explica-se por uma enorme eficiência no atendimento, um layout muito bem pensado, um equipamento moderno e pronto a funcionar, uma lógica de eficiência em todos os passos do processo e sobretudo a interiorização da convicção de que o trabalho é para ser feito no momento. Digo-lhe mesmo, um espanto! Olhou-me como se eu tivesse tido um ataque de fantasia delirante, deixando-me a falar sozinha. Como poderia eu explicar-lhe que em escassos dez anos se construiu uma cidade nova e moderna em Pequim? Que se construíram mais de 200 km de rede de metro e outro tanto se espera construir até 2012? Que num dia eu vi uma rua a ser construída junto ao meu hotel e na manhã seguinte essa mesma rua estava como nova sem quaisquer vestígios de construção? Que quando viajamos de avião da Ásia para a Europa sentimos nitidamente a velocidade a abrandar?

E foi no meio desta e de outras perplexidades que eu recebi nestes últimos tempos duas notícias: por um lado a de que um empresário chinês tencionava comprar à GM a divisão do Hummer - um carro americano por excelência -, e assim minorar-lhe os efeitos do seu estado de falência; e, por outro, a de que a China tinha ultrapassado a Alemanha como terceira economia exportadora. Foi pois em jeito de vingança que assim me portei nesta cena de hotel.

Em Amesterdão, ouvi um turista chinês que reconheci como companheiro de viagem pedir ao recepcionista num inglês esforçado: "I wantosex". Percebi perfeitamente o que ele queria dizer, afinal nada mais era do que o número do seu quarto, mas deixei-o a debater-se com um empregado indignado. Afinal quem precisa de ajuda numa economia que cresce 8% em plena crise?

Professora na ISCTE Business School
Coluna è terça-feira
Ver comentários
Mais artigos de Opinião
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio