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Opinião
31 de Agosto de 2007 às 13:59

PSD: A ordem é estar na ordem

Que vai o PSD ensinar e propor aos jovens do partido, nas sessões da Universidade de Verão as quais se prolongam até depois de amanhã, em Castelo de Vide? Tendo em conta as brigas internas e as acusações mútuas, as derivas e as amolgadelas entre os “compa

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Enganei-me. Num alvoroço de preocupações surge Miguel Macedo, severo e sónico, a aplacar os possíveis rebeldes. E exclama: “Não quero polémica!” Para quem não sabe, Macedo é secretário-geral do PSD; quer-se dizer: não tem relevância alguma. Porém, a frase contém, no bojo, algo de letárgico. O homem impede a contra-corrente de ideias, deseja a mansidão intelectual e o recato no verbo. Não creio que a extraordinária advertência tenha saído, exclusivamente, das meninges de Macedo: faz parte das construções dolorosas do abecedário imposto ao partido por Marques Mendes.

O PSD existe no vácuo; as tricas e as afrontas quotidianas alimentam a escabrosa curiosidade do gentio; não dispõe de táctica, de estratégia, de programa, de doutrina, de projecto, de ideologia; ausentou-se de qualquer objecção ao Governo; transformou-se num subproduto político, cada vez menos aberto à História e menos íntimo do tempo – e Macedo, resoluto e desnecessário, manda calar a mocidade, ao invés de a incentivar ao conflito.

Não pertenço à falange dos que lisonjeiam a juventude como bálsamo para todos os males. Essa de os jovens serem o futuro, tem que se lhe diga. Na verdade, o futuro da juventude – é a velhice. E há quem nasça velho. Mas gosto muito dos mais novos, do irrespeito sem planificação que corporizam, da ignorância atrevida que não dissimulam, da sua inteligência mais demolidora do que crítica. Admito, até, sentir um pingo de inveja quando os vejo na primeira linha da reportagem, na coragem intempestiva que cauciona todas as impertinências, no irredentismo da sua sobranceria. Aparecem-me cá em casa; fazem-me as perguntas mais caoticamente indiscretas; telefonam-me a saber de livros, de causas e de coisas que me moldaram e à minha geração; vou aos liceus deles, às universidades deles, falar de façanhas absurdas, de episódios hílares, de mortos e de vivos e de vivos que estão mortos sem de isso darem conta. Gosto muito dos mais novos porque não permitem que eu envelheça.

De que tem receio Miguel Macedo? E de que voz é altifalante? Não creio que o meu amigo Vasco Graça Moura, um dos espíritos mais cultos, mais bem informados e mais polémicos que conheço, embarque no breviário de cautelas que o mandamento de Macedo compreende. E quanto a Marcelo Rebelo de Sousa: saberá reduzir a uma pilhéria a insensatez de Macedo?

Perante o facto, de que vão falar e que prelecções vão escutar os “jotas”? O secretário-geral do PSD adianta que a Universidade de Verão “é uma verdadeira lição de democracia”. Curioso, este conceito de “democracia”, no interior do qual o confronto está abolido, contrariando, aliás, um dos elementos fundamentais de Francisco Sá Carneiro, adepto da conflitualidade, das rupturas, da contenda como fórmulas de se expressarem as diversas naturezas “políticas” do PSD – a fim de as poder gerir ou, melhor ainda, abolir.

O fundador do partido conhecia os paradoxos e as contradições ideológicos de uma associação que reunia conservadores, fascistas convertidos aos prestígios da democracia, antigos resistentes ao salazarismo, socialistas estilizados, liberais da antiga ordem, republicanos de intermédio e alguns monárquicos ornamentais. O programa e os estatutos do então PPD, mais tarde PSD, lacram o cunho “progressista” exigido pelas metáforas da época. O “socialismo” e a “sociedade sem classes” lá estão consignados, mas em cujo conteúdo Sá Carneiro não acreditava, minimamente, e muito menos na sua viabilidade.

Mas Sá Carneiro era um político, um grande político e um estratego inexcedível. O seu forte, as representações momentâneas. O seu fraco, a crença (porque de crença se tratava) na indeterminada dimensão das possibilidades pessoais para administrar as “tendências”. Conheci-o em 1971-72. Almoçámos no Comodoro, a seu convite. Ia entregar-me o texto, a apresentar na Assembleia Nacional, sobre Liberdade de Imprensa. Desejava que fizesse chegar extractos do documento a certos jornais estrangeiros, com os quais eu mantinha relações e cumplicidades. Sublinhara o que lhe interessava. Disse-lhe ser minha a escolha e a decisão final. Irritou-se um pouco. Depois, aceitou. Cumpri o acordo. Enviou-me um cartão de agradecimento. Falámos em mais duas ou três oportunidades. A última, foi por ocasião da greve geral da Imprensa. O sindicato mandou-me para a Assembleia da República, vender os jornais da greve. O slogan era: “A democracia em perigo! A Imprensa ameaçada!” Lá estava eu, a tentar tornar clara e berrante a minha voz velada, desconsolada e rouca. Sá Carneiro viu-me à distância. Aproximou-se, rápido, estendeu-me a mão: “A democracia está em perigo? Então estamos do mesmo lado!” E adquiriu o molho de jornais que eu sobraçava, afastando-se, e olhando para trás uma única vez.

Tenho deste homem de meã estatura, nariz de pássaro predador e olhar fuzilante uma recordação imorredoira. Não apreciava ser contrariado, era visível; porém, não virava as costas à briga, sempre o comprovou. Aqueles dos tais autointitulados seus discípulos, continuadores ou alunos devotados – nem sequer epígonos são. A mediocridade que invadiu o PSD, permitiu absurdas ascensões, impeliu a banalidade a ter carta-de-alforria e a ignorância a instituir-se – resulta de uma época funesta, desprovida de grandeza, pejada de “políticos” sem espírito de missão, de que o secretário-geral Miguel Macedo mais não é do que um desmaiado exemplo.

APOSTILA – O Governo Regional dos Açores (do PS) decidiu desobedecer às decisões de Correia de Campos, momentâneo ministro da Saúde (da Saúde?, Santo Deus!!), e manter, no arquipélago, o subsistema de Saúde dos jornalistas. Comentário do meu querido amigo e grande jornalista João Paulo Guerra: “Há uma infiltração socialista no PS!”

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