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Portugal visto de Nova Iorque

Tive a oportunidade de participar na iniciativa Portuguese Day 2010, que decorreu na Bolsa de Valores de Nova Iorque (New York Stock Exchange), em Wall Street, na última semana de Maio. Tratou-se de uma organização conjunta do EuronextLisbon...

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Tive a oportunidade de participar na iniciativa Portuguese Day 2010, que decorreu na Bolsa de Valores de Nova Iorque (New York Stock Exchange), em Wall Street, na última semana de Maio. Tratou-se de uma organização conjunta do EuronextLisbon e do Banco Espírito Santo de Investimento com o objectivo - como o nome e o palco indicam - de promover Portugal e as empresas que compõem o PSI-20 (o nosso índice bolsista de referência) na maior praça financeira mundial.

Pela minha parte, tendo contactado com quase duas dezenas de investidores e interessados na economia portuguesa, julguei oportuno partilhar com os leitores, resumidamente, a forma como essas reuniões decorreram.

Ponto prévio: a acção como um todo foi positiva. Além das diversas reuniões e conferências que tiveram lugar, e da participação da delegação na cerimónia de abertura (opening bell) na sessão da bolsa de dia 26 de Maio, televisionada para todo o Mundo, ocorreram diversas entrevistas e intervenções de vários "actores de primeira linha" do panorama económico nacional nos principais meios de comunicação financeiros vistos à escala global, com uma mensagem animadora sobre o nosso país. E, com Portugal bem no centro (negativo) do radar internacional, devido ao efeito de contágio da crise de pagamentos da Grécia, julgo que dificilmente a ocasião poderia ter sido mais apropriada para nos promover e mostrar que somos um País com potencialidades e com uma realidade bem diversa da grega.

… Até porque, como pude constatar in loco, a nossa imagem não é, de facto, a melhor do lado de lá do Atlântico - o mesmo sucedendo, embora a uma escala diferente, à imagem da Zona Euro. Nunca os americanos foram grandes entusiastas do euro desde o seu início… nomeadamente porque faltava a integração política (ao contrário do que sucede nos EUA). Ora, nesta fase de grande turbulência, em que as dúvidas sobre a solidez do projecto europeu cresceram (sobretudo fora do nosso espaço), pode dizer-se que a imagem marcante da Zona Euro é a falta de coordenação e de liderança política, para o que muito contribuiu o atraso na resposta à crise iniciada na Grécia e a demora em responder aos ataques dos mercados ao euro e à dívida soberana dos países mais frágeis (entre os quais se encontra Portugal). Faz sobretudo muita confusão aos yankees que não haja nenhum compromisso escrito nem sobre o plano financeiro que foi desenhado, nem quanto a não deixar cair o euro (sobretudo por parte da Alemanha e também da França). Bem argumentei que o compromisso existe, é público… mas esbarrei sempre na falta de um papel assinado, fonte principal do cepticismo americano. Pode parecer até caricata esta visão, mas é a predominante…

Já quanto a Portugal, a desconfiança é ainda maior. Sim, mencionei o forte crescimento registado no primeiro trimestre; o crescimento de dois dígitos das exportações até Abril; a execução orçamental que não compromete; o downgrading das agências de rating no final de Abril que tinha acontecido sem uma deterioração das notícias económicas (muito pelo contrário…); o menor acesso - por comparação com outros países - das nossas instituições financeiras ao BCE como forma de obter liquidez; o reduzido número de casos de cobrança duvidosa, etc. Mas o historial das nossas tentativas falhadas para colocar em ordem as contas públicas era sempre recordado. Bem como as nossas debilidades estruturais e o reduzido potencial de crescimento da economia - o nosso principal problema, sem o que não conseguiremos sair da actual situação. E o financiamento do sector financeiro (e da economia), como será assegurado, se a actual situação de quase secagem do mercado monetário interbancário - onde era suposto os bancos financiarem-se normalmente - se mantiver?... Enfim, uma série questões que não deixava margem para grandes optimismos…

Um aspecto que tive a sensação de ter deixado marcas positivas foi a menção do acordo político entre o PSD e o Governo Socialista de forma a garantir, na inexistência de uma maioria absoluta no Parlamento, que o desequilíbrio das contas públicas será mais rapidamente reduzido, e dessa forma, acalmar os mercados. Uma pedrada no charco da parte do partido da oposição em Portugal, uma atitude elogiada e que não é fácil replicar Mundo fora: muitas vezes me foi recordado pelos próprios americanos que, nos EUA - infelizmente - os Republicanos, na oposição, não mostravam esta abertura. Mais referi o "bater o pé" do partido da oposição para ter pelo menos 50% do plano de redução do défice em cortes da despesa pública. Mas depois, a verdade é que o plano, quando era esmiuçado, ficava um pouco aquém das expectativas, porque o detalhe é muito do lado da receita, e pouco do lado da despesa… ainda que eu tenha defendido que o PSD (my party) tem o firme compromisso de contribuir para que o Governo tome medidas mais duras na despesa e que se irá monitorizar regularmente no Parlamento o endividamento público (a verdade, porém, é que compreendia as interrogações e dúvidas que me eram colocadas…).

A forma como me apercebi que somos vistos de Nova Iorque não é, pois, nada tranquilizadora… não surpreendendo, assim, que no actual panorama o poderio financeiro americano dificilmente seja investido nos nossos domínios e procure outras paragens, sobretudo não europeias. Mas até por isso mesmo considero muito importante que esta iniciativa tenha sido realizada… e que outras do mesmo género, quer a nível institucional, quer empresarial, pudessem ser mais frequentes. Ainda que em termos estruturais a tarefa que temos pela frente seja pouco menos que hercúlea (mas urgente e necessária), na actual conjuntura, eventos deste género ajudam certamente a esclarecer que Portugal não é, de facto, comparável à Grécia.


Nota: Naturalmente, e ainda para mais na conjuntura negativa que atravessamos, em iniciativas deste tipo e em contactos com agentes externos, a minha missão é tentar mostrar que Portugal não é a Grécia - da mesma forma que em Portugal, no debate político, e porque acredito que as alternativas que defendo são bem melhores que as do Governo, tento contribuir para que Portugal não se torne, de facto, numa Grécia… Incoerência?!... Sinceramente, não vejo onde… Agora, imagine o leitor que na iniciativa abordada neste texto, tinha apresentado uma análise negativa do nosso País e cheia de críticas ao Governo… o que não se diria de mim por estes dias?!... Pena que ainda haja quem, em Portugal, não perceba os diferentes contextos - repito, para mais no enquadramento que vivemos - e que, na política como em qualquer outro campo da vida, a ética e os valores mais básicos devem estar sempre presentes.


Economista
Ex-Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças
miguelfrasquilho@yahoo.com
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