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Portugal portugalizado

«A terra [Portugal] é pequena, e a gente que nela vive também não é grande»

Almeida Garret

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Em 1957, o grande escritor francês Roger Vailland publicou, na Gallimard, o romance «La Loi». É um texto menor, no conjunto de uma obra significativa que influenciou, em Portugal, autores como Augusto Abelaira, José Cardoso Pires e António Alçada Baptista. Em «La Loi», Vailland, na voz de uma personagem, Dom Cesare, criou um qualificativo, «portugalizar», que nos reduzia a subnitrato. O francês estivera três vezes em Portugal, as duas primeiras em reportagem; a terceira como membro da Resistência à ocupação da França pelos exércitos de Hitler.

A história desta última estada no nosso país é um momento fascinante e pouco conhecido da história das fraternidades cimentadas durante a luta contra o nazi-fascismo. Parte dela contei-a no «Diário Popular», jornal onde então trabalhava.

Vailland, enviado de De Gaulle, estabelecera contactos com Cândido de Oliveira, Vasco da Gama Fernandes e José de Freitas (estes dois últimos confirmaram-mos), a fim de se estudar a possibilidade da organização de uma rede de combate armado à previsível invasão da Península pelas tropas nazis. Aliás, Franco, à revelia de Salazar, afirmara a Hitler a submissão da Ibéria.

O verbo portugalizar falava de um país adornado, no qual os jornalistas não faziam jornais, os escritores não escreviam livros, os políticos não exerciam  – enfim: um povo que o não era. Portugalizar constituía a anestesia geral de um corpo enfermo de mal endémico. Uma informe massa, indolente, resignada, trágica, inactiva, embalada por um passado de glória duvidosa, que não cuidava de si nem do futuro de todos.

O paralelismo comparativo com o que hoje ocorre na nossa terra é terrível, por evidente. Políticos de baixo estofo que gerem o destino da pátria; deputados que somente ambicionam cumprir dois mandatos para auferirem avultadas reformas; direcções de jornais que, ainda não há muitos anos, apenas serviriam para atender os telefonemas; escritores pedâneos que gozam dos benefícios de marquetingues insultuosos à inteligência ainda livre; entrevistadores de televisão que revelam o grau zero das meninges e uma impante e desavergonhada ignorância; empresários analfabetos inabilitados para administrar empresas dependentes dos favores do Estado, e que lançam para o desemprego milhares de pessoas. No meio desta desgraça, os partidos constituem agências de empregos, assegurados a todos aqueles de dizem «sim».

A situação não é só grave em termos de economia; é gravíssima na relação moral e ética das exigências públicas e privadas.

Estou convencido de que corresponde a uma estratégia muito bem pensada, na qual o laxismo provocado é uma componente fundamental. Estariam criadas as condições para um golpe de Estado, semelhante ao de 1926.

Todavia, não há Exército, as multinacionais não estão, de momento, interessadas, e a União Europeia não deixa. A União está periclitante, as multinacionais existem do lucro pelo lucro, e a tropa pode reorganizar-se, desde que os grandes grupos, sobretudo financeiros, assim o entendam.

Um país onde um futebolista, Miguel, e seu contrato dominam os noticiários televisivos, e suscitam graves comentários de austeros comentadores, é um país irremediavelmente condenado à farsa. Contudo, estas «prioridades» noticiosas não são inocentes. O fundamental trocado pelo dispensável tornou-se numa prática banalizada pela insistência. Neste caso, a insistência cloroformiza até à narcose. Portugal existe entre o adormecimento e a imbecilização.

Ouvimos os discursos dos dirigentes políticos e não acreditamos. Lemos os editoriais dos principais diários e somos levados a crer que respiramos em outro país. Assistimos ao programa «Um Contra Todos» e, não fora o Malato (cuja jovialidade, cultura e informação merecem a nossa simpatia e a nossa admiração), os participantes, quase todos, fundamentam a singular ideia de que representam uma galeria de matóides, alguns deles com formação académica.

Pedem-nos «esforços colectivos», «patrióticos envolvimentos», aqueles que auferem salários volumosos, ao mesmo tempo que declamam a necessidade de baixar os ordenados e aumentar os impostos – aos outros, bem entendido.

Estamos, outra vez, portugalizados. Lenta e perseverantemente vão-nos roubando tudo; sobretudo, os sonhos e as esperanças.

Portugal é uma deriva de governo para governo, de mentira em mentira, e começa a ser um aditamento insignificante e hílare da Europa. Não é por acaso que os franceses residentes na Mauritânia dizem que Portugal é o país mais desenvolvido de África.

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