Opinião
Planetas Ásia
Há cerca de um ano andei em digressão mental, nestas páginas do Negócios, pela Índia, onde estivera com os alunos de MBA para a viagem internacional anual do programa "part-time". Se saí da Índia, a Índia não me saiu da cabeça, recentemente devido ao recomendável "O Tigre Branco", o livro galardoado de Aravind Adiga, obra de ficção muito entranhada pela vida naquele grande país.
Há cerca de um ano andei em digressão mental, nestas páginas do Negócios, pela Índia, onde estivera com os alunos de MBA para a viagem internacional anual do programa "part-time". Se saí da Índia, a Índia não me saiu da cabeça, recentemente devido ao recomendável "O Tigre Branco", o livro galardoado de Aravind Adiga, obra de ficção muito entranhada pela vida naquele grande país.
Este ano, a viagem levou-nos a outras paragens asiáticas, mais concretamente ao Vietname e a Singapura. Fica aqui um breve relato da experiência para estimular os apetites asiáticos do leitor.
No "planeta" Vietname, os destaques vão para a beleza de Halong Bay, uma zona costeira, que correspondeu ao dia turístico do programa. De resto, as visitas a empresas e universidades permitiram formar uma ideia do país como um dos mais recentes destinos das empresas apostadas em tirar partido dos baixos custos laborais.
A China, nessa dimensão, parece ter-se tornado demasiado cara por comparação com esta república socialista, uma das últimas do género. As visitas mostraram diversas faces da nação vietnamita: do homem de negócios de mobiliário que vende produtos certificados pelo Forest Stewardship Council, às multinacionais japonesas que beneficiam dos custos do trabalho, à mão visível do Estado no mundo do negócio e às limitações do capital humano. Curiosa também a venda, numa loja turística, e por meia dúzia de dólares, do livro "The and of poverty", de Jeffrey Sachs.
Uma inspecção mais próxima permitiu verificar que se tratava naturalmente de "The end of poverty", copiado tão mal na capa como bem na contracapa, na qual o código de barras e o preço americano permitiam aquilatar do calibre da pechincha. Uma nota final para os apreciadores de desportos radicais. As ruas de Hanói e Saigão (como os locais continuam a chamar a Ho Chi Min) são provavelmente as mais "desafiantes" em termos de atravessamento, com vagas ininterruptas de motociclos precipitando-se sobre o peão. Rapidamente se aprendem alguns truques mas a adrenalina permanece alta.
O planeta Singapura é de outro sistema solar. A cidade é uma espécie de Disneylândia urbana, um sonho artificial mas nem por isso menos agradável. Se o Vietname é Ásia, Singapura é Ásia "light". A cidade-estado é uma das melhores do mundo para outro tipo de desporto radical: o chamado "shoppertainment". Se uns se perderam na Orchard Road, outros exploraram os fantásticos armazéns Mustapha, no bairro de Little India, nos quais se compra tudo, do i-phone ao arroz basmati. No plano das organizações e do negócio, Singapura é um exemplo do poder de um sistema de "governance": "A única coisa que Singapura tem", defendeu um dos nossos anfitriões na Universidade de Nanyang, "é boa 'governance'.
De resto não temos nada, nem água, nem a comida de que necessitamos, nada." O oposto, digamos, da síndrome da maldição dos recursos. Onde não há nada, tudo foi possível graças ao talento humano, patente em doses diferentes mas notável de qualquer forma, em cada visita, da empresa mais modesta à mais desenvolvida. Singapura é um exemplo impressionante do poder da visão, da ambição e da organização. Para competir na nova economia do conhecimento e da criatividade, o país apostou em tornar-se um "hub" educacional: de todos os talentosos estudantes atraídos pelas universidades e escolas de negócios, alguns acabarão, dada a qualidade de vida na cidade, por lá se fixarem.
É fácil gostar de Singapura, como é fácil encontrar razões para não gostar - incluindo a artificialidade de um local onde não há nada fora do sítio, ou a natureza peculiar do regime.
Mas esta viagem, entre muitas outras facetas, revelou o poder do sistema de governação e da qualidade das instituições. Bons sistemas de governação geram mais capital humano, que gera melhores sociedades, nomeadamente por aumentar a exigência das pessoas. O contraste não podia pois ser maior e a história recente dos dois países mostra de forma cabal qual das escolhas merece maior confiança. A ideia para visitar Singapura e Vietname numa única viagem era clara: experimentar duas faces da Ásia, ou duas das muitas Ásias possíveis. Conforme comentava um dos MBA viajantes, a expectativa pode ter sido superada, pois a viagem percorreu não dois países mas antes dois planetas.
Professor associado na Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa
Este ano, a viagem levou-nos a outras paragens asiáticas, mais concretamente ao Vietname e a Singapura. Fica aqui um breve relato da experiência para estimular os apetites asiáticos do leitor.
A China, nessa dimensão, parece ter-se tornado demasiado cara por comparação com esta república socialista, uma das últimas do género. As visitas mostraram diversas faces da nação vietnamita: do homem de negócios de mobiliário que vende produtos certificados pelo Forest Stewardship Council, às multinacionais japonesas que beneficiam dos custos do trabalho, à mão visível do Estado no mundo do negócio e às limitações do capital humano. Curiosa também a venda, numa loja turística, e por meia dúzia de dólares, do livro "The and of poverty", de Jeffrey Sachs.
Uma inspecção mais próxima permitiu verificar que se tratava naturalmente de "The end of poverty", copiado tão mal na capa como bem na contracapa, na qual o código de barras e o preço americano permitiam aquilatar do calibre da pechincha. Uma nota final para os apreciadores de desportos radicais. As ruas de Hanói e Saigão (como os locais continuam a chamar a Ho Chi Min) são provavelmente as mais "desafiantes" em termos de atravessamento, com vagas ininterruptas de motociclos precipitando-se sobre o peão. Rapidamente se aprendem alguns truques mas a adrenalina permanece alta.
O planeta Singapura é de outro sistema solar. A cidade é uma espécie de Disneylândia urbana, um sonho artificial mas nem por isso menos agradável. Se o Vietname é Ásia, Singapura é Ásia "light". A cidade-estado é uma das melhores do mundo para outro tipo de desporto radical: o chamado "shoppertainment". Se uns se perderam na Orchard Road, outros exploraram os fantásticos armazéns Mustapha, no bairro de Little India, nos quais se compra tudo, do i-phone ao arroz basmati. No plano das organizações e do negócio, Singapura é um exemplo do poder de um sistema de "governance": "A única coisa que Singapura tem", defendeu um dos nossos anfitriões na Universidade de Nanyang, "é boa 'governance'.
De resto não temos nada, nem água, nem a comida de que necessitamos, nada." O oposto, digamos, da síndrome da maldição dos recursos. Onde não há nada, tudo foi possível graças ao talento humano, patente em doses diferentes mas notável de qualquer forma, em cada visita, da empresa mais modesta à mais desenvolvida. Singapura é um exemplo impressionante do poder da visão, da ambição e da organização. Para competir na nova economia do conhecimento e da criatividade, o país apostou em tornar-se um "hub" educacional: de todos os talentosos estudantes atraídos pelas universidades e escolas de negócios, alguns acabarão, dada a qualidade de vida na cidade, por lá se fixarem.
É fácil gostar de Singapura, como é fácil encontrar razões para não gostar - incluindo a artificialidade de um local onde não há nada fora do sítio, ou a natureza peculiar do regime.
Mas esta viagem, entre muitas outras facetas, revelou o poder do sistema de governação e da qualidade das instituições. Bons sistemas de governação geram mais capital humano, que gera melhores sociedades, nomeadamente por aumentar a exigência das pessoas. O contraste não podia pois ser maior e a história recente dos dois países mostra de forma cabal qual das escolhas merece maior confiança. A ideia para visitar Singapura e Vietname numa única viagem era clara: experimentar duas faces da Ásia, ou duas das muitas Ásias possíveis. Conforme comentava um dos MBA viajantes, a expectativa pode ter sido superada, pois a viagem percorreu não dois países mas antes dois planetas.
Professor associado na Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa
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