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16 de Março de 2009 às 11:29

Petróleo barato, petróleo desbarato

A ciência já conseguiu perceber por que é que um peixe de aquário nada em círculos e não enlouquece: esquece-se. Mas ainda não explicou como é que os homens se esquecem dos seus erros e continuam a praticá-los: enlouquecem?

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A ciência já conseguiu perceber por que é que um peixe de aquário nada em círculos e não enlouquece: esquece-se. Mas ainda não explicou como é que os homens se esquecem dos seus erros e continuam a praticá-los: enlouquecem? É o que acontece com o petróleo: ontem estava caro, hoje está barato, amanhã estará caro e nos três momentos foi, é e será escasso.

Quando o petróleo custava mais do triplo, trepámos paredes. Portugal esteve paralisado por camionistas, fez-se a intifada contra as gasolineiras, o primeiro-ministro sentiu "o Estado em risco", produziram-se magníficas teses sobre a necessidade de mudar de vida e acabar com a dependência. Agora, o tema saiu da agenda e são os países da OPEP que se reúnem para fazer subir os preços.

Oito meses depois do dia em que o barril de petróleo bateu os 147 dólares, ele custa 47. O petróleo estava então aquecido pela especulação financeira, que se transferira, juntamente com o dinheiro, das bolsas empresariais. Mas mesmo que aquele preço fosse anormalmente alto, este é anormalmente baixo. Resulta de uma retracção brutal da procura, numa crise económica de dimensões históricas. Assim que a economia mundial arribe, a procura volta a disparar, os preços também.

O preço é, contudo, menos determinante do que a quantidade. O petróleo é tão finito hoje como há oito meses, o mundo já esteve no pico de produção mas parece ter voltado a ficar de consciência "petróleada". Não mudar o padrão industrial, energético e de transportes é uma inacção suicida. Mas persistimos nisso como um viciado em negação ou como a cigarra que não poupa no Verão para ter no Inverno e volta a não poupar no Verão seguinte.

Nas nossas vidas já conhecemos a lição - e a única linguagem que todos compreendem é o preço. Calafeta-se, fecha-se, conduz-se, partilha-se de acordo com a consciência de cada um mas depois, paradoxalmente, pagamos menos pela electricidade do que ela custa, o que não só foi alimentando perigosos défices tarifários como anestesia o consumidor para os hábitos de consumo. Num mercado de electricidade que é mais liberalizado do que é livre, o consumidor doméstico paga os preços mais elevados de entre todos os clientes mas mesmo assim tem consumos displicentes.

As únicas alternativas protegidas do petróleo são as energias renováveis e a nuclear. É criminoso termos estado tantos anos sem investir nas barragens e nas eólicas, mas eis-nos agora a fazê-lo. Orgulhosamente dizemos que temos 27% e teremos 42% de produção de energias alternativas, mas nos tempos dourados das barragens, tivemos quase 90%.

Para termos energias sustentáveis e competitivas precisamos de um cabaz que incluirá as renováveis. A hídrica é negócio seguro. A eólica é limitada por causa das horas de produção, intermitentes. Noutras formas - ondas, solar - estamos a testar tecnologia, podemos estar a apostar no vídeo beta quando vai vencer o VHS. É o que acontece também no carro eléctrico que estamos a apoiar. A produção de energia eólica é mais cara, assim como a fotovoltaica, a microgeração chega a ser a preços de gourmet, altamente subsidiados.

Temos apostas seguras e apostas de risco - mas temos apostas. Não podemos deixar que a "crise seguinte", a financeira, faça esquecer a "crise anterior", a do petróleo. A quebra do preço do barril ameaça levar à suspensão de investimentos em energias alternativas. Seria péssimo. Até um peixe amnésico sabe que só sobrevive em círculos num aquário enquanto houver água.
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