Opinião
Perspectivas
Em breve estaremos de novo a discutir o Orçamento do Estado, as perspectivas da economia e as opções da política económica para os próximos anos.
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Peter Drucker, citado no Financial Times, 31-01-06
Em breve estaremos de novo a discutir o Orçamento do Estado, as perspectivas da economia e as opções da política económica para os próximos anos. Pontos assentes nesse debate são o facto de que o crescimento económico continuará a ser condicionado pela virtual estagnação do consumo final, público e privado, rubricas que, em conjunto, representam 85% do PIB. O arranque do crescimento deste dependerá, portanto, da evolução do investimento e das exportações e só se concretizará se estas variáveis apresentarem um comportamento muito favorável. Também sabemos, porém, que o investimento virado para o mercado interno estará, no curto prazo, necessariamente limitado pelas fracas perspectivas deste e pela reduzida margem de manobra orçamental. Por isso, será sobretudo a procura externa e o investimento privado nos sectores transaccionáveis a determinar a evolução da economia.
Este é o ponto de partida inquestionável para a política económica dos próximos anos, como o foi, aliás, dos últimos. Reconhecê-lo não equivale, contudo, à definição de uma política. Dentro destas condicionantes, já assistimos à adopção de estratégias muito diversas para lidar com o problema. A primeira foi posta em prática por Manuela Ferreira Leite em 2002, quando o consumo privado e o investimento em construção ainda cresciam a bom ritmo. O objectivo imediato era o de baixar as expectativas dos consumidores - e, com elas, o consumo e o investimento residencial - o que não só libertaria recursos para exportação, mas estimularia as empresas a virarem-se para os mercados externos. A sua concretização falhou devido às próprias limitações do diagnóstico, que ignorou os problemas estruturais da economia, designadamente a forte deterioração da competitividade, não só devida aos custos do trabalho, mas sobretudo ao anquilosamento da estrutura produtiva que, desde a queda do império soviético e face à onda de globalização que se avolumara ao longo de toda a década de 90, continuara a evoluir essencialmente como se nos considerássemos imunes a tais desenvolvimentos. A consolidação orçamental, ponto de partida e parte essencial da estratégia, em breve se viu reduzida à engenharia financeira necessária para cumprir os requisitos formais de um Pacto de Estabilidade cada vez mais esvaziado de sentido. Perdeu-se, desse modo, a credibilidade indispensável para alterar os comportamentos dos parceiros sociais e os processos de decisão de investimento, variáveis essenciais à mudança de rumo da economia. O desnorte observado em 2004 e no orçamento inicial para 2005 foi a consequência dessa estratégia, de que apenas resultou um clima de descrença e de confronto, partidário mais do que ideológico.
O actual governo optou por uma estratégia mais estrutural, sobretudo ao nível do sector público e das políticas públicas, em particular em matérias como a educação, saúde, investigação e inovação, segurança social, administração pública, financiamento local, etc. Em todas elas, embora de formas diferentes, existem enormes ineficiências, exigindo medidas de economia tanto mais difíceis quanto, ao longo de décadas, se estabelecera a convicção de que as despesas públicas não se geriam, apenas cresciam. O orçamento para 2007 será, assim, mais um árduo exercício político, a que outros terão de seguir-se, tanto mais penosos quanto menos os agentes económicos forem capazes de adaptar-se ao novo enquadramento - externo e interno - que têm de defrontar.
O investimento privado é uma variável crucial nesta matéria. Portugal detém o record pouco invejável de ter exibido, pelo menos desde a década de 60, uma das mais altas taxas de investimento do mundo, a par com acréscimos da produtividade e do emprego que de modo algum lhe correspondem. A explicação para essa discrepância deverá encontrar-se na qualidade do investimento. Em meados da década de 50, Robert Solow mostrou que apenas 12,5% do crescimento económico do meio século anterior se devera à acumulação de capital, constituindo os restantes 87,5% um «resíduo», em geral atribuído ao progresso tecnológico, mas que pode igualmente englobar aspectos institucionais, difíceis de quantificar, mas que não deixam por isso de constituir factores importantes de crescimento... ou de estagnação.
É precisamente sobre este resíduo que é necessário actuar e não será através de estímulos à quantidade do investimento que se alcançarão os resultados desejados. A ineficiência da acumulação de capital ao longo de décadas deveu-se a um enquadramento da política económica que, em vez de estabelecer regras de jogo que levassem a um processo eficiente de tomada de decisões e de distribuição de riscos, procurou antes criar cumplicidades (em geral tripartidas, entre o Estado, os sindicatos e os empresários), destinadas a maximizar as vantagens (ou a minimizar os custos) de curto prazo, mesmo que isso implicasse desprezar ou contornar as condicionantes de médio/longo prazo. Há muito, porém, que a solução corporativa se esgotou. Em seu lugar tem de estabelecer-se a convicção de que as decisões políticas e empresariais não são jogos de soma nula, em que aquilo que uns ganham tenha necessariamente de ser perdido por outros. Pelo contrário, as decisões que promovam a produtividade do país e das empresas, em sectores que correspondam à procura, nacional e internacional, beneficiarão todos, mesmo que impliquem custos a curto prazo, que devem ser minorados, mas não até ao ponto de eliminarem o imprescindível incentivo à mudança. Não aceitar esse princípio equivale a reconhecer que, como sociedade, atingimos um grau de esclerose para que já não há remédio.