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15 de Julho de 2009 às 11:57

Os espiões na guerra do ferro

No domingo, uighurs e chineses han começaram a matar-se uns aos outros em Urumqi. No mesmo dia, quatro funcionários da multinacional mineira anglo-australiana Rio Tinto eram presos em Xangai, acusados de espionagem. A sua detenção...

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No domingo, uighurs e chineses han começaram a matar-se uns aos outros em Urumqi. No mesmo dia, quatro funcionários da multinacional mineira anglo-australiana Rio Tinto eram presos em Xangai, acusados de espionagem. A sua detenção chocou muito mais os meios de negócios do que os motins na província de Xinjiang.

Três dos detidos por violação de segredos de estado são técnicos de nacionalidade chinesa e o quarto - Stern Hu, responsável pelas negociações de vendas de minério de ferro às siderurgias locais - nasceu em Tianjin e obteve nacionalidade australiana em 1997.

Hu terá, segundo as autoridades de Xangai, subornado responsáveis de empresas siderúrgicas e da Associação Chinesa do Ferro e do Aço (ACFA), que congrega as firmas do sector, para obter informações confidenciais - presumivelmente planos de produção e stocks - durante as negociações sobre os preços das importações de minério de ferro para 2009/2010.

As acusações implicam a violação de segredos de estado e a investigação abrange ainda cinco das maiores siderurgias do país, tendo levado também à prisão de um director de uma das empresas chinesas.

Altas e baixas do mercado
A detenção dos funcionários da Rio Tinto no dia 5 deste mês surgiu numa altura de impasse nas negociações com os fornecedores estrangeiros, liderados pela multinacional anglo-australiana, e a ACFA.

A data limite para conclusão das negociações expirara a 30 de Junho sem que importadores e exportadores tivessem chegado a acordo sobre o preço da matéria-prima.

A conjuntura de alta das matérias-primas tinha levado em 2008 a um aumento de 85% no preço do minério de ferro, mas a quebra verificada este ano permitia negociar uma redução substancial nos contratos de compras de validade anual.

O Japão e a Coreia do Sul aceitaram em Maio uma redução de 33% nos preços para as compras relativas a Abril 2009 / Maio 2010, mas a China continua a insistir num corte de 45%, apesar dos valores no mercado à vista terem começado a subir.

O minério de ferro é presentemente transaccionado no mercado à vista a valores superiores ao acordado entre compradores sul-coreanos e japoneses e os três grandes produtores, responsáveis por 70% das vendas internacionais, a brasileira Vale do Rio, a Rio Tinto e outro gigante anglo-australiano, a BHP Billiton, por ordem de grandeza.

Algumas corretoras e siderurgias chinesas mostravam-se dispostas a aceitar valores de compra próximos dos propostos pelos vendedores, mas a ACFA e o governo de Pequim pretenderam fazer valer a sua posição.

Relações conturbadas
As acusações de roubo de segredos de estado lançaram a confusão no mercado e complicaram as relações entre Pequim e Camberra, tanto mais que ainda em Maio a Rio Tinto denunciara um acordo firmado em Fevereiro com a Chinalco para a maior produtora chinesa de alumínio duplicar para 18% a sua participação na multinacional.

Ao optar por rejeitar o investimento de 19,5 mil milhões de dólares da Chinalco, que seria o maior de sempre de uma empresa chinesa numa companhia estrangeira, a Rio Tinto justificou a opção por uma parceira com a BHP Billiton, argumentando que o aumento de preços das matérias-primas tornara o acordo pouco atractivo.

A Rio Tinto anunciou que pagaria uma indemnização de 195 milhões de dólares por denúncia do contrato, mas altos funcionários chineses não hesitaram em afirmar que a atitude da multinacional era altamente prejudicial para todos os importadores e reflexo das atitudes nacionalistas e proteccionistas na Austrália.

Para a fusão de operações na exploração de minério de ferro nas jazidas da Austrália Ocidental, que aguarda aprovação do governo estadual, a BHP Billiton investirá 6 mil milhões de dólares na parceria paritária com a Rio Tinto.

A joint-venture controlará uma produção anual de 320 milhões de toneladas/ano, o equivalente a 40% das exportações mundiais, ultrapassando assim a quota de 30% detida actualmente pela Vale do Rio.

A parceria Rio Tinto / BHP Billiton é, naturalmente, vista com apreensão por consumidores, a começar pela China, o maior importador, mas também pela Comissão Europeia.

Num quadro em que os contratos para transacção de minério de ferro - movimentando 88 mil milhões de dólares/ano - oscilam entre a prática de firmar acordos de fornecimentos a dez anos revistos anualmente para preços fixos ou negociações pontuais em função dos valores dos mercados à vista, o braço-de-ferro entre a China e os produtores, agora agravado pelas acusações à Rio Tinto, destabiliza ainda mais o sector.

Um processo político
O processo envolvendo a Rio Tinto, que, entretanto, apresentou queixas judiciais contra compradores chineses que não cumpriram as suas quotas de compras no Inverno devido a quebras na procura, enquanto vendia, por seu turno, conforme os termos contratuais, 10% da sua produção no mercado à vista para aproveitar a alta de preços, está a ser gerido ao mais alto nível político.

Nem Pequim, nem Camberra querem pôr em causa uma relação comercial estratégia e o anúncio feito esta semana de que fundos de investimento chineses continuam interessados em canalizar 1,2 mil milhões de dólares num projecto de conversão de lenhite em fertilizantes no estado de Vitória é sinal de que, a Sul e a Norte do Pacífico, a margem de convergência é ainda grande.

O recurso à figura de segredo de estado por parte das autoridades chinesas no processo contra os funcionários da Rio Tinto levanta, no entanto, graves problemas a todos os investidores estrangeiros.

A legislação chinesa permite a aplicação retroactiva do segredo de estado a qualquer informação cuja divulgação seja considerada pelas autoridades prejudicial aos interesses nacionais.

Mesmo no caso de indicadores económicos e financeiros em regra acessíveis a todos os operadores em economias de mercado, o seu eventual conhecimento por parte de cidadãos estrangeiros pode ser tido como violação de segredo de estado.

Estrangeiros acusados de posse ilegal de segredos de estado estão sujeitos a julgamentos à porta fechada, as provas são confidenciais e, em muitos casos, é limitado o acesso a assistência diplomática.

Num país de estatísticas opacas, informação escassa e controlada, o recurso ao segredo de estado é também usado por Pequim para impor linhas negociais e disciplinar sectores industriais em que interesses divergentes empresariais põem em causa objectivos estratégicos definidos pelo governo central.

No ano passado, a Baosteel, a maior siderurgia chinesa, liderara as negociações com os fornecedores internacionais de minério de ferro, mas este ano para impor uma redução de preços e conter a concorrência empresarial nacional numa indústria afectada pelo excesso de capacidade produtiva, Pequim passou as conversações para a alçada da ACFA, onde pode controlar integralmente a tomada de decisões.

O recurso a uma acusação de roubo de segredos de estado, apesar das implicações negativas para a relação com investidores estrangeiros, é apenas uma das formas de Pequim tentar obter uma redução nos custos da compra de matéria-prima e impor a disciplina num sector industrial crítico em que as aquisições ao estrangeiro serão, se necessário, subordinadas a variações mínimas em função de um preço negociado pelo governo.


Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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