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18 de Janeiro de 2006 às 13:59

Onde começa a Europa?

A União Europeia não o é assim só de nome. Existe norma que exige uma condição prévia para se ser membro. Admitir membros que não preencham este requisito é violar o Direito, estar disposto de forma premeditada a violar o Direito.

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Diz o artigo 49º do Tratado da União Europeia que só países europeus podem ser candidatos e membros da União Europeia. A União Europeia não o é assim só de nome. Existe norma que exige uma condição prévia para se ser membro. Admitir membros que não preencham este requisito é violar o Direito, estar disposto de forma premeditada a violar o Direito.

Por outro lado, dizer que países que não são europeus o são poderia relevar de pura má fé, ou obediência a ordens de terceiros (americanos, nomeadamente).

Terminemos com a seguinte premissa. Quem aprendeu dois deditos de lógica sabe que uma coisa são fundamentos, outra coisa condições fundamentais. Quando em Copenhaga se estabelece que a democracia, a economia de mercado e o «acquis communautaire» são condições fundamentais para se entrar na Europa não posso estar mais de acordo. Mas condições, por mais fundamentais que sejam. Não fundamentos. Concretizemos: eu não vou a casas que estejam sujas. Condição fundamental para eu entrar numa casa é que ela esteja limpa. Mas essa não é a razão pela qual eu vou a essa casa. Posso ir por amizade, interesse, curiosidade. Não me vou pôr como um doido a entrar em todas as casas que estejam limpas. Ora, fundamento de entrada na União Europeia não é a democracia, a economia de mercado, mas o facto de ser um país europeu. Tão simples quanto isto.

Desglosando um pouco. Portugal em 1973 não podia entrar na CEE. Mas não por lhe faltar fundamento. Era na altura um país europeu. O Japão também não podia entrar, mas nunca poderia entrar apesar de ter uma economia de mercado florescente e uma democracia. Obedecia às condições fundamentais, mas era e é destituído do fundamento. Portugal sempre teve o fundamento, mas nem sempre teve as condições fundamentais.

Demos mais um passo. O que caracteriza a Europa apenas pode ser geográfico e sobretudo civilizacional. Não pode ser político ou económico. Democracias há muitas, mas nem o Brasil nem a Nova Zelândia nem o Japão podem fazer parte da União Europeia. Economias de mercado muitas há, mas nem a China nem a Birmânia podem fazer parte da União Europeia. Dá-se o caso de a Europa ser o único continente onde há uma quase perfeita relação entre um continente e uma cultura. É a que Europa foi o único continente que se construiu a si mesmo e que deu nomes aos outros. Um turco e o chinês só por conceito europeu vivem no mesmo continente, a Ásia. E a África negra pouco tem a ver com o Norte de África, vista no seu conjunto. Os nomes, os conceitos de continentes são europeus. Todos eles.

O leitor mediamente avisado já deve estar a bocejar. Mas peço a sua compreensão dado que não é ele que me dirijo, mas a um grau mais baixo, a políticos e comentadores políticos que dizem que a Turquia faz parte da Europa.

É que poderíamos partir do princípio que são determinados violadores da lei europeia, que o Direito lhes irreleva e apenas interesses políticos lhes interessam, ou então igualmente que actuam de má fé. Ora nunca me parece bom começo iniciar por admitir a desonestidade, natureza criminosa ou a má fé das pessoas. Por isso vou apenas admitir que são ignorantes.

Comecemos pela geografia. O conceito de Ásia surge com os Gregos, por oposição a Europa. A Ásia começa por ser o que mais tarde se vem a chamar a Ásia Menor, Próximo Oriente. A actual Anatólia. Exacto: a Turquia. A Ásia começa exactamente na Turquia. Para um grego, um romano, um medieval, o homem moderno, até cerca de 1999, era evidente para todos os europeus que a Ásia ali começava. Durante dois mil e quinhentos anos andámos todos enganados ao chamar aquilo de Ásia, imagine-se. Até a ONU anda enganada porque considera a Turquia parte da Ásia. Mas um conjunto de políticos europeus, desde que receberam ordens de vários secretários de Estado americanos desde os anos sessenta do século XX, cederam finalmente à pressão e decidiram «afinar» critérios, como diz uma deputada belga. Ora o político deve obediência à lei, não é seu papel «afiná-la», seja lá o que isso for.

Vamos agora à cultura. O burguês vai a Santa Sofia e fica fascinado. Dá-se o caso de ser agnóstico mas fica realmente impressionado com uma igreja reconvertida em mesquita. E vem daí a dizer que a Europa não pode ser um clube cristão. Pois, é que não é um clube. A expressão é grosseira, inventada pelos turcos. Eles também não achariam graça que definissem o seu país como um clube de turcos. É evidente que o burguês aprendeu em Hemingway o que é a Europa, o que não é bom método. O burguês não leu Constantino Porfirogénito, nem Miguel Psellos, nem Nicetas Coniata, nem o clássico Ostrogorski. Não percebeu por isso várias coisas. É que o que está a ver é um monumento bizantino. Uma cultura que foi destruída também pelos turcos. Em segundo lugar, que é já francamente duvidoso que Bizâncio fosse parte da Europa. Mas como o burguês desconhece o que seja a cultura europeia, deixarei para outras núpcias esta questão.

Usa-se perguntar «mas quais são os limites da Europa?». O problema é que esta não é uma questão, mas um diktat, uma imposição. Não se admite que ninguém dê uma resposta clara à mesma. Não é uma questão filosófica ou científica, que vise suscitar discussão, mas tem por objectivo exactamente impedir qualquer discussão. Quem se atrever a dar uma resposta a esta questão é tido por racista, dogmático, intranscendente.

E, no entanto, mesmo o pequeno burguês pode perceber duas ideias muito simples. Geograficamente a Europa começa onde acaba a Anatólia, ou seja, acaba com 95% do território turco. Culturalmente a Europa é a fusão do cristianismo com o paganismo indo-europeu. Quem não tiver bebido simultaneamente destas duas fontes de forma preponderante não é país europeu. Os testes são simples. Procure-se o românico, gótico, renascença, barroco, romantismo nas artes, no pensamento. E aí se encontra a Europa. Os países que faltaram aos primeiros destes encontros europeus apenas faltaram em grande medida porque foram impedidos... pelos turcos e turcófonos. É que a Turquia é a fusão de uma cultura altaica com o Islão influenciada pela Europa como todos os países da Ásia Central. Tudo o contrário do que é a Europa, tudo a aproxima da Ásia Central.

O leitor medianamente avisado já estará farto de tanta elementaridade no que até agora disse. E tem razão. Tenho de lhe prometer para outros carnavais uma análise mais aprofundada do problema. Nomeadamente das consequências que teria para a Europa um passo tão atrevido como a entrada de um país não europeu na Europa. E como reagirão os europeus a longo prazo a este sapo americano que nos querem fazer engolir (curioso, saliento sempre e mais uma vez, que todos os que defendem esta ideia entusiasticamente passaram pelos Estados Unidos alguma vez na vida).

De momento apenas queria exprimir de forma soletrada, para que mentes menos habilitadas o pudessem compreender, algumas verdades elementares. Só países europeus podem fazer parte da União Europeia. É que o projecto desde o início é de coesão e não de fragmentação, nem multicultural. Em segundo lugar aceitar o contrário será violar o Direito e abrir a porta a outras violações do Direito. A União Europeia nunca mais poderá dizer que é uma comunidade de Direito nem dar exemplo disso. Fundar-se-á num acto de submissão a pressões americano-turcas e na violação fragrante da sua própria lei de base. Em terceiro lugar, e citando um célebre homem prático americano, Lincoln, podem-se enganar alguns todo o tempo, todos algum tempo, mas nunca todos todo o tempo.

É evidente que quem defende tais dislates tem uma retaguarda alhures, geralmente nos Estados Unidos. Se a coisa correr mal para lá vão. É fácil ser generoso quando nos sabemos poder escusar aos sacrifícios.

Espero por isso que o leitor medianamente avisado me tenha perdoado por ter sido tão elementar no que digo. Prometo redimir-me voltando ao tema de forma algo mais aprofundada. Mas espero que compreenda que quando um dislate é repetido de forma tão convicta e insistente por tantas pessoas tenho de admitir que falo de pessoas pouco dotadas sob o ponto de vista intelectual, que carecem de orientação adequada. Sob pena de ter de entender que não são eles os estúpidos, mas nos tomam por tal.

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