Opinião
Obama e o "poder macio"
Na sua primeira digressão europeia, o Presidente dos EUA, Barack Obama, foi acolhido de modo triunfal. Como uma estrela, referiram vários jornais. Nessa viagem, Obama tentou criar afinidades, estreitar laços, mostrar respeito. Um...
Na sua primeira digressão europeia, o Presidente dos EUA, Barack Obama, foi acolhido de modo triunfal. Como uma estrela, referiram vários jornais. Nessa viagem, Obama tentou criar afinidades, estreitar laços, mostrar respeito. Um total contraste, assinalou a imprensa, com o seu antecessor, George W. Bush. A mudança serviu para mostrar não apenas uma viragem de política mas também uma alteração de tom. Os primeiros tempos da administração Obama mostram uma viragem na direcção do soft power e trazem à discussão alguns dos métodos hard da administração Bush, nomeadamente o unilateralismo e o recurso à tortura.
Por coincidência, estes acontecimentos sucedem numa altura em que chegam a Portugal dois trabalhos sobre poder duro e poder macio, "Liderança e Poder", o livro de Joseph Nye e "Operação Padrão" o documentário de Errol Morris. Cada um à sua maneira estes dois documentos ilustram as implicações do uso do poder não só na política mas também noutras esferas da sociedade, nomeadamente no mundo empresarial.
Em "Liderança e Poder", Joseph Nye faz um excelente apanhado do conhecimento sobre liderança. Na sua concisão, o texto proporciona uma boa panorâmica do tema. Os conceitos centrais para a discussão são já conhecidos: hard power, soft power e smart power (uma combinação de hard e soft). Apesar desta falta de novidade, o livro nem por isso é menos eficaz e os três conceitos ilustram a importância do estilo de liderança. O poder duro diz respeito ao uso da força. Nas empresas refere-se por exemplo ao recurso à hierarquia e ao sistema de recompensas e de punições que lhe está associado. Uma empresa usa tanto mais o poder duro quanto menos os seus dirigentes se esforçarem para obter o envolvimento daqueles que devem executar as ordens. Traduz-se, em casos extremos, na lógica "você faz assim porque eu lhe digo que é assim que se faz."
Na política e na diplomacia, o poder duro é o das armas. O poder macio é o da sedução. Numa empresa, está associado a culturas de inclusão, a visões positivas do impacto da organização e à lógica de responsabilidade social. Na política exprime-se através da sedução e da amizade inter-nacional. A atracção do "American way of life", espalhada por Hollywood, constitui uma forma eficaz de poder macio. Durante décadas, os EUA tentaram seduzir: na biblioteca da minha escola, muitos dos livros mais antigos têm um autocolante com o desenho de um aperto de mão sob o escudo dos EUA. Apesar de não ter nenhuma, este autocolante vale por mil palavras.
A administração W. foi obviamente uma administração dura, como o mostra o eloquente filme de Errol Morris, "O.P. Operação padrão", documentário sobre a prisão de Abu Ghraib. O filme é relevante sob diversos pontos de vista: mostra como o mal é fácil de produzir; como um conjunto de militares mal preparados pode danificar a imagem de todo um exército; como no mundo da Internet os segredos se tornaram difíceis de controlar; como o uso do poder duro revela a fraqueza de quem o usa. A intervenção americana no Iraque oferece um claro contraste com o recurso ao poder macio privilegiado por outra potência, a China. Acaba de ser publicado em Portugal outro interessante texto, "O Safari Chinês" (de Serge Michel e Michel Beuret), que permite ilustrar os conceitos de Joseph Nye. Em vez de ameaçar e assustar, a China seduz os mais fracos. Oferece ajuda e produtos, constitui uma alternativa credível ao domínio americano e mantém um baixo perfil que por ora lhe convém. O resultado desta abordagem encontra expressão numa frase do antigo presidente da Nigéria, general Olusegun Obasanjo, o qual brindou o seu homónimo chinês Hu Jintao com a previsão de que este seria o "século de a China liderar o mundo". E que a África, acrescentou, estaria a seu lado.
Entre os desafios que se colocam a Barack Obama encontra-se a substituição da dureza política dos EUA por uma lógica de sedução e atracção. Nada de muito diferente, creio, do desafio que se coloca a qualquer gestor que veja nas pessoas uma fonte de vantagem competitiva: qualquer "bronco" (para ilustrar o ponto de vista de Errol Morris) com os meios certos consegue subjugar os outros. Em Abu Ghraib ou noutro lado qualquer. Seduzi-los e envolvê-los, isso já é outra história.
Professor associado na Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa
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Por coincidência, estes acontecimentos sucedem numa altura em que chegam a Portugal dois trabalhos sobre poder duro e poder macio, "Liderança e Poder", o livro de Joseph Nye e "Operação Padrão" o documentário de Errol Morris. Cada um à sua maneira estes dois documentos ilustram as implicações do uso do poder não só na política mas também noutras esferas da sociedade, nomeadamente no mundo empresarial.
Em "Liderança e Poder", Joseph Nye faz um excelente apanhado do conhecimento sobre liderança. Na sua concisão, o texto proporciona uma boa panorâmica do tema. Os conceitos centrais para a discussão são já conhecidos: hard power, soft power e smart power (uma combinação de hard e soft). Apesar desta falta de novidade, o livro nem por isso é menos eficaz e os três conceitos ilustram a importância do estilo de liderança. O poder duro diz respeito ao uso da força. Nas empresas refere-se por exemplo ao recurso à hierarquia e ao sistema de recompensas e de punições que lhe está associado. Uma empresa usa tanto mais o poder duro quanto menos os seus dirigentes se esforçarem para obter o envolvimento daqueles que devem executar as ordens. Traduz-se, em casos extremos, na lógica "você faz assim porque eu lhe digo que é assim que se faz."
A administração W. foi obviamente uma administração dura, como o mostra o eloquente filme de Errol Morris, "O.P. Operação padrão", documentário sobre a prisão de Abu Ghraib. O filme é relevante sob diversos pontos de vista: mostra como o mal é fácil de produzir; como um conjunto de militares mal preparados pode danificar a imagem de todo um exército; como no mundo da Internet os segredos se tornaram difíceis de controlar; como o uso do poder duro revela a fraqueza de quem o usa. A intervenção americana no Iraque oferece um claro contraste com o recurso ao poder macio privilegiado por outra potência, a China. Acaba de ser publicado em Portugal outro interessante texto, "O Safari Chinês" (de Serge Michel e Michel Beuret), que permite ilustrar os conceitos de Joseph Nye. Em vez de ameaçar e assustar, a China seduz os mais fracos. Oferece ajuda e produtos, constitui uma alternativa credível ao domínio americano e mantém um baixo perfil que por ora lhe convém. O resultado desta abordagem encontra expressão numa frase do antigo presidente da Nigéria, general Olusegun Obasanjo, o qual brindou o seu homónimo chinês Hu Jintao com a previsão de que este seria o "século de a China liderar o mundo". E que a África, acrescentou, estaria a seu lado.
Entre os desafios que se colocam a Barack Obama encontra-se a substituição da dureza política dos EUA por uma lógica de sedução e atracção. Nada de muito diferente, creio, do desafio que se coloca a qualquer gestor que veja nas pessoas uma fonte de vantagem competitiva: qualquer "bronco" (para ilustrar o ponto de vista de Errol Morris) com os meios certos consegue subjugar os outros. Em Abu Ghraib ou noutro lado qualquer. Seduzi-los e envolvê-los, isso já é outra história.
Professor associado na Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa
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