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29 de Maio de 2009 às 11:45

Obama e o "poder macio"

Na sua primeira digressão europeia, o Presidente dos EUA, Barack Obama, foi acolhido de modo triunfal. Como uma estrela, referiram vários jornais. Nessa viagem, Obama tentou criar afinidades, estreitar laços, mostrar respeito. Um...

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Na sua primeira digressão europeia, o Presidente dos EUA, Barack Obama, foi acolhido de modo triunfal. Como uma estrela, referiram vários jornais. Nessa viagem, Obama tentou criar afinidades, estreitar laços, mostrar respeito. Um total contraste, assinalou a imprensa, com o seu antecessor, George W. Bush. A mudança serviu para mostrar não apenas uma viragem de política mas também uma alteração de tom. Os primeiros tempos da administração Obama mostram uma viragem na direcção do soft power e trazem à discussão alguns dos métodos hard da administração Bush, nomeadamente o unilateralismo e o recurso à tortura.

Por coincidência, estes acontecimentos sucedem numa altura em que chegam a Portugal dois trabalhos sobre poder duro e poder macio, "Liderança e Poder", o livro de Joseph Nye e "Operação Padrão" o documentário de Errol Morris. Cada um à sua maneira estes dois documentos ilustram as implicações do uso do poder não só na política mas também noutras esferas da sociedade, nomeadamente no mundo empresarial.

Em "Liderança e Poder", Joseph Nye faz um excelente apanhado do conhecimento sobre liderança. Na sua concisão, o texto proporciona uma boa panorâmica do tema. Os conceitos centrais para a discussão são já conhecidos: hard power, soft power e smart power (uma combinação de hard e soft). Apesar desta falta de novidade, o livro nem por isso é menos eficaz e os três conceitos ilustram a importância do estilo de liderança. O poder duro diz respeito ao uso da força. Nas empresas refere-se por exemplo ao recurso à hierarquia e ao sistema de recompensas e de punições que lhe está associado. Uma empresa usa tanto mais o poder duro quanto menos os seus dirigentes se esforçarem para obter o envolvimento daqueles que devem executar as ordens. Traduz-se, em casos extremos, na lógica "você faz assim porque eu lhe digo que é assim que se faz."

Na política e na diplomacia, o poder duro é o das armas. O poder macio é o da sedução. Numa empresa, está associado a culturas de inclusão, a visões positivas do impacto da organização e à lógica de responsabilidade social. Na política exprime-se através da sedução e da amizade inter-nacional. A atracção do "American way of life", espalhada por Hollywood, constitui uma forma eficaz de poder macio. Durante décadas, os EUA tentaram seduzir: na biblioteca da minha escola, muitos dos livros mais antigos têm um autocolante com o desenho de um aperto de mão sob o escudo dos EUA. Apesar de não ter nenhuma, este autocolante vale por mil palavras.

A administração W. foi obviamente uma administração dura, como o mostra o eloquente filme de Errol Morris, "O.P. Operação padrão", documentário sobre a prisão de Abu Ghraib. O filme é relevante sob diversos pontos de vista: mostra como o mal é fácil de produzir; como um conjunto de militares mal preparados pode danificar a imagem de todo um exército; como no mundo da Internet os segredos se tornaram difíceis de controlar; como o uso do poder duro revela a fraqueza de quem o usa. A intervenção americana no Iraque oferece um claro contraste com o recurso ao poder macio privilegiado por outra potência, a China. Acaba de ser publicado em Portugal outro interessante texto, "O Safari Chinês" (de Serge Michel e Michel Beuret), que permite ilustrar os conceitos de Joseph Nye. Em vez de ameaçar e assustar, a China seduz os mais fracos. Oferece ajuda e produtos, constitui uma alternativa credível ao domínio americano e mantém um baixo perfil que por ora lhe convém. O resultado desta abordagem encontra expressão numa frase do antigo presidente da Nigéria, general Olusegun Obasanjo, o qual brindou o seu homónimo chinês Hu Jintao com a previsão de que este seria o "século de a China liderar o mundo". E que a África, acrescentou, estaria a seu lado.

Entre os desafios que se colocam a Barack Obama encontra-se a substituição da dureza política dos EUA por uma lógica de sedução e atracção. Nada de muito diferente, creio, do desafio que se coloca a qualquer gestor que veja nas pessoas uma fonte de vantagem competitiva: qualquer "bronco" (para ilustrar o ponto de vista de Errol Morris) com os meios certos consegue subjugar os outros. Em Abu Ghraib ou noutro lado qualquer. Seduzi-los e envolvê-los, isso já é outra história.


Professor associado na Faculdade de Economia, Universidade Nova de Lisboa
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