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10 de Fevereiro de 2009 às 12:00

O verdadeiro Che Guevara

A História, quando é contada por Hollywood, é muitas vezes desprovida de veracidade, mas os cineastas têm habitualmente o bom senso de não limpar a imagem de assassinos e sádicos.

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A História, quando é contada por Hollywood, é muitas vezes desprovida de veracidade, mas os cineastas têm habitualmente o bom senso de não limpar a imagem de assassinos e sádicos. No entanto, o novo filme de Steven Soderbergh, acerca de Che Guevara, faz isso e muito mais.

Che, o revolucionário romântico, tal como é personificado por Benicio del Toro no filme de Soderbergh, nunca existiu. Esse herói da Esquerda, com o seu cabelo e barba ao estilo hippie, uma imagem agora icónica em t-shirts e canecas por todo o mundo, é um mito criado pelos propagandistas de Fidel Castro - uma espécie de cruzamento entre o Don Quixote e o Robin dos Bosques.

Tal como nessas lendas, o mito de Che criado por Fidel tem umas semelhanças muito superficiais com os factos históricos. A sua verdadeira história é muito mais sombria.

Provavelmente existiu mesmo um Robin dos Bosques que roubava aos ricos e que, para encobrir o seu rasto, dava parte dos seus saques aos pobres. Na Espanha medieval, cavaleiros ao estilo de Quixote provavelmente percorreram os campos, não atrás de dragões, mas dos poucos muçulmanos que ainda restavam naquelas terras.

O mesmo acontece com o lendário Che. Nenhum adolescente rebelde que está contra o mundo ou contra os seus pais parece ser capaz de resistir à atractiva imagem de Che. Só o simples facto de usar uma t-shirt com o rosto de Che é o caminho mais curto e mais barato para parecer que se está do lado certo da História.

Aquilo que funciona para os adolescentes também parece funcionar para os realizadores de cinema eternamente jovens. Nos anos 60, adoptar o "look" Che, com barba e boné, era - no mínimo - uma afirmação política atrevida. Actualmente é pouco mais do que uma pose de moda que inspira um épico de Hollywood com um vasto orçamento. Será que os parques temáticos dedicados a Che vão ser a próxima etapa?

Mas existiu mesmo um Che Guevara. Só que é menos conhecido do que o boneco de ficção que substituiu a realidade. O verdadeiro Che foi uma figura mais significativa do que o seu clone de ficção, porque ele foi a encarnação daquilo que a revolução e o Marxismo realmente significavam no século XX.

Che não era um humanista. Na verdade, nunca um líder comunista apresentou valores humanistas. Karl Marx não foi certamente um humanista. Fiéis ao profeta fundador do seu movimento, nem Estaline, nem Mao, nem Castro, nem Che tinham qualquer respeito pela vida humana. Era preciso que corresse sangue para baptizar um mundo melhor. Quando criticado - por um dos seus primeiros companheiros de luta - pela morte de milhões de pessoas durante a Revolução Chinesa, Mao afirmou que eram muitos os chineses que morriam diariamente, pelo que aquele facto não tinha qualquer importância.

Da mesma forma, Che era capaz de matar sem qualquer hesitação. Com formação em medicina, obtida na Argentina, optou não por salvar vidas, mas sim por acabar por elas. Depois de chegar o poder, Che condenou à morte 500 "inimigos" da revolução sem qualquer julgamento ou discernimento.

Castro, que também não foi um humanista, deu o seu melhor para neutralizar Che Guevara, nomeando-o ministro da Indústria. Como seria de esperar, Che aplicou políticas soviéticas aos cubanos: a agricultura foi destruída e a paisagem passou a ser marcada por fábricas-fantasma. Ele não se preocupava com a economia de Cuba nem com os cubanos: o seu objectivo era levar a cabo a revolução pelo prazer da revolução, independentemente do que isso pudesse significar, tal como a arte que é criada em nome da própria arte.

Com efeito, se não fosse a sua justificação ideológica, Che poderia não ter passado de mais um "serial killer". A propaganda ideológica permitiu-lhe matar muito mais pessoas do que qualquer assassino em série poderia sequer imaginar, e tudo em nome da justiça. Há 500 anos, Che teria provavelmente sido um daqueles sacerdotes ou soldados que exterminavam os nativos da América Latina em nome de Deus. Também Che, em nome da História, viu nos assassínios um instrumento necessário para uma causa nobre.

Mas suponhamos que julgamos este herói Marxista pelos seus próprios critérios: ele transformou mesmo o mundo? A resposta é sim - transformou, mas para pior. A Cuba comunista que ele ajudou a criar é um completo fracasso incontestável, estando muito mais empobrecida e muito menos livre do que era antes da sua "libertação". Apesar das reformas sociais que a Esquerda gosta de apregoar quando fala de Cuba, a sua taxa de alfabetização era mais elevada antes de Castro chegar ao poder e o racismo contra a população negra era menos generalizado. Na realidade, é muito mais provável que os actuais líderes cubanos sejam brancos do que na época de Batista.

Além de Cuba, o mito de Che levou milhares de estudantes e activistas de toda a América Latina a perderem as suas vidas em absurdas guerras de guerrilha. A Esquerda, inspirada no canto de sereia de Che, escolheu a luta armada em vez das eleições. Ao fazê-lo, abriu caminho à ditadura militar. A América Latina não está ainda curada destes efeitos secundários do Guevarismo.

Com efeito, 50 anos depois da Revolução Cubana, a América Latina continua dividida. Os países que rejeitaram a mitologia de Che e que escolheram o caminho da democracia e do mercado livre, como o Brasil, Peru e Chile, estão em muito melhor situação do que alguma vez estiveram: igualdade, liberdade e progresso económico caminharam de mãos dadas. Em contrapartida, os países que continuaram mergulhados na nostalgia em prol da causa de Che, como a Venezuela, Equador e Bolívia, estão neste momento às portas da guerra civil.

O verdadeiro Che, que foi durante muitos anos presidente do banco central cubano, encarregado por Castro de supervisionar as execuções, merece que o conheçam melhor. Se este épico de duas partes de Soderbergh for um êxito de bilheteira, talvez os seus produtores queiram que seja realizada uma sequela mais próxima da verdade. Há muito material para se realizar "A verdadeira história de Che".
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