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O sindicalismo na era da Internet

Que o sindicalismo está em crise é uma evidência. O desinteresse dos mais jovens e consequente diminuição da taxa de sindicalização; a incapacidade reivindicativa que conduz a um acumular de derrotas e onde as pontuais vitórias são insignificantes e resid

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O desinteresse dos mais jovens e consequente diminuição da taxa de sindicalização; a incapacidade reivindicativa que conduz a um acumular de derrotas e onde as pontuais vitórias são insignificantes e residuais; a falta de resposta para os novos problemas da sociedade contemporânea; e acima de tudo um real enfraquecimento social e uma perda de influência nas orientações políticas gerais, são disso o exemplo.

Os sindicatos tendem a culpar o momento ideológico dominado pelo endeusamento da economia de mercado e do reino do lucro a qualquer custo. Numa aliança estratégica que tenderia a favorecer comportamentos anti-sindicais tanto no campo das empresas quanto no dos governos, e de que a legislação contra os direitos dos trabalhadores seria a consequência prática. No entanto, sendo verdade que vivemos numa era em que a economia tantas vezes se sobrepõe aos direitos e vidas das pessoas, não é menos verdade que o declínio do sindicalismo tem acima de tudo uma outra e determinante origem. O mundo mudou mas os sindicatos estagnaram.

E o mundo mudou não só nas ideias, mais livre iniciativa e menos protecção estatal, mas acima de tudo, por efeito das novas tecnologias, mudou a cartografia das relações sociais que agora são mais dispersas, menos territorializadas, mas bastante mais intensas e produtivas, ou seja, seguindo o modelo da Internet. O efeito avassalador desta revolução tecnológica tem gerado novos modelos produtivos, novas profissões, novos ambientes de realização social e uma crescente fragmentação de perspectivas e interesses, para os quais um sindicalismo que no essencial ainda se imagina no tempo das grandes indústrias massificadas e da classe operária não parece ser capaz de dar qualquer resposta. É a própria revolução tecnológica que estamos a viver que mais do que qualquer outra coisa põe em causa a concepção sindical entendida como unificação reivindicativa e mecanismo centralista de solidariedade social. Hoje, a diversidade existencial é um enorme obstáculo a velhos esquemas de coesão e de representatividade que estiveram na origem do sindicalismo. O próprio conceito de trabalhador pulverizou-se, abrindo-se por exemplo a um papel mais activo de mulheres, jovens e imigrantes e também de trabalho parcial, temporário e mutante, o que em concreto aniquilou a própria ideia de classe unitária. Já para não falar das máquinas e seu papel fundamental na alteração da componente humana no trabalho fabril. Os operários vão sendo substituídos pelos engenheiros. Do mesmo modo, a dispersão das unidades de produção, a deslocalização e uma tendência que privilegia as pequenas empresas tantas vezes concebidas para operações de curta duração, criam um ambiente muito distinto da ideia fordista que efectivamente forjou a ainda actual concepção do que é um sindicato.

É assim que o sindicalismo se vê reduzido a um papel de mera resistência, numa acção que genericamente propõe sucessivos regressos ao passado. Como se isso fosse possível. Exigindo primeiro pela via da negociação, e depois por esporádicas manifestações de força nas ruas e nas greves, a preservação de um mundo que já não existe.

A constante exigência de negociação é aliás sinal de uma desesperada tentativa de resistir a qualquer mudança. Os sindicatos querem ser ouvidos, querem dialogar, querem negociar, acima de tudo para poderem contestar o objecto da própria negociação e assim manterem a ilusão de que são parte do processo de decisão, ainda que pela negativa. Esta obsessão pela mesa das negociações gera por seu lado uma vasta burocracia que se eterniza no poder, como aliás se constata pelos mesmos rostos cativos de sempre, e é responsável pela baixa democraticidade da vida sindical.

Por outro lado, no campo das antigas lutas, a fragmentação social inviabiliza hoje os grandes movimentos de solidariedade, o que na prática conduz a um efeito perverso face às greves. Estas prejudicam cada vez mais os cidadãos e atingem menos os patrões e os governos. Daí a sua baixa popularidade. Basta pensar como nunca se fizeram tantas greves gerais, essa bomba atómica dos trabalhadores que noutros tempos derrubou governos e regimes, mas hoje sem nenhuma consequência prática. Aliás, o próprio campo da percepção social sofreu profundas alterações. Uma grande manifestação de rua com milhares de pessoas, se não passar nos telejornais simplesmente nunca existiu.

As sociedades democráticas e livres, mesmo se pudemos e devemos ser críticos das suas limitações, são um campo de permanente confrontação de múltiplos e distintos interesses individuais e sociais em processos de grande instabilidade e mutação social. A dinâmica civilizacional em que nos encontramos, acelerada pelas novas tecnologias, favorece a expressão de novas ideias e exige novos modelos de comportamento e organização. Os velhos mecanismos de representação, como os sindicatos e já agora também os partidos, estão claramente em crise, não tanto devido a ofensivas perversas do capitalismo, nem sequer em consequência da incompetência de muitos, mas simplesmente porque não correspondem já à realidade do mundo actual. E aqui, com em tantos outros casos, Darwin explica. O ambiente mudou e nesse processo certas formas tendem para a extinção.

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