Opinião
O salutar prazer do risco
Pode prever-se o que tudo isto será, em Maio de 2011, quero dizer: dentro de quatro anos? Pode. Pode e deve: a condição de comentador incita ao prazer do risco e ao gosto de participar. Eis porque, ainda hoje, prefiro enganar-me com Sartre do que estar ce
E não é, apenas, uma escolha entre Esquerda e Direita: será, porventura, a alegria do desafio. Orwell publicou, em 1948, um romance inquietante, "1984", que não só previa a "sociedade totalitária" (tomando esta definição com toda a prudência que a História veio a recomendar), mas, também, a claustrofóbica vigilância da "democracia capitalista". Ei-la: aí está, em toda a sua penumbra.
Os elementos de que dispomos são módicos, relativamente à dimensão que as coisas adquirem, na rapidez de um movimento histórico que propõe novas formas de relação e outros modos de entendimento. "Nada pára, porque tudo age e reage", ensinou Séneca. A constituição do mundo é que se torna falível, assim como a sua futura concepção político-económica e, portanto, social. O capitalismo continuará em crise? O imperialismo será a última etapa do capitalismo? O capitalismo reencontrará, de novo, e como sempre tem reencontrado, novos métodos e outras faces? Creio que sim.
A condição de fragilidade em que se encontram as forças de Esquerda vai acentuar-se. Porém, outras fórmulas de razão terão de ser encontradas. O fim da História não chegou, nem chegará. Mas outras figuras de autoridade, assentes na diferenciação dos indivíduos, emergirão, numa falsa modernidade de regras, impostas pela rede comunicacional, de que serão (já são) detentores os grandes empórios económicos.
Liberdade e identidade confundir-se-ão, pela necessidade de sobrevivência dos povos. A sufocação ideológica, causada pela semelhança entre os "partidos de poder" em toda a Europa, e um pouco por todo o mundo, fará aumentar o nivelamento por baixo. E a proposta norte-americana de sociedade, o "american way of life", continuará a ter seguidores acríticos. A personalização não estará nos intentos das empresas. Temos exemplos em Portugal. Um deles: o "homem Sonae", subordinado à "medida do grupo", regido por implacável estratégia, que utiliza o imperativo para fazer a emergência.
Nada do que foi, será. Os valores alterar-se-ão. A imposição do domínio do económico sobre o humano causa arrepios. Há uma semana, na Livraria Centésima Página, em Braga, onde fui discretear sobre Tomaz de Figueiredo, grande prosador quase ignorado, estes problemas afloraram, numa plateia cheia de gente interessada. E um grupo de professores da Universidade do Minho não calou a angústia que lhe causa "o caminho de desumanização pelo qual caminhamos". Que formas e que processos possuímos para formar uma corrente moral, humanística, reabilitadora dos valores fundamentais da nossa civilização? Tudo terá de ser reinterpretado. A começar de agora. E, mesmo assim, este agora talvez seja tarde. Irremediavelmente?
Na verdade, o ensino actual continua a repetir, como num realejo, o que já não existe. E a suprimir o que é necessário à formação do carácter. O facilitismo educacional, essa deplorável negligência na família e na escola determinou a saturação das próprias evidências. Quando imprimirmos o número 2.000, a situação será dilemática: estarão no poder, nos centros de decisão pessoas deficientemente formadas, marcadas por uma forte ideologia de "mercado", e desdenhosas dos laços sociais, formativos do que se convencionou designar de "humanismo europeu". E, pelos vistos e havidos, os assim chamados órgãos de comunicação social reflectirão, nos conteúdos, as debilidades da sociedade em que se inserem. Não creio, também, que os programas das televisões sejam criadores ou estimuladores de novas mentalidades.
A ganância, o lucro pelo lucro, a competitividade doentia (não a emulação saudável), que põe trabalhadores contra trabalhadores e metamorfoseia a solidariedade no mais asqueroso antagonismo serão a carta-de-guia do aventureirismo. Todavia, haverá, talvez, a possibilidade de ponderar, de forma diferente, o social e os actores do social: sindicatos, patronato, artistas, intelectuais. Se as forças de Esquerda vão esbater-se, numa capitulação moral e ética, a verdade é que os movimentos de Direita reflectirão, dramaticamente, a fluidez social, uma vez que falharam a totalidade das avaliações e das competências. A fragmentação da Direita corresponde a esse factor fundamental. Aí, as interpretações da História, sem que a leiamos como um breviário determinista, são concludentes.
E a questão das emigrações e das imigrações? O racismo e a xenofobia, as novas faces do nazismo e as máscaras com que o fascismo se apresenta conduzem a um cenário fixo. Nada, ninguém, nenhum poder fáctico conseguirá obstar à avalancha populacional que se move de um para outro lado. Os homens já nem sequer buscam a felicidade (no sentido stendhaliano do termo); aspiram, furiosa, teimosa e corajosamente, ao pão, à sobrevivência elementar. E emigram e imigram, movidos pelo sonho insano da terra prometida. Os conflitos estão à vista; e, dentro de quatro anos o problema será acirrado pelas circunstâncias criadas pelo próprio "sistema". O capitalismo não cria el dorados.
O empreendimento de destruição do Estado Social (ou o que resta dele) irá continuar com tal denodo e violência que até sectores de Direita veementemente criticam. A "segurança ontológica", palavrão "politiquês" inventado por Anthony Giddens, que sustentou a flexibilização do trabalho, a fragilização dos laços sociais e que originou profusas debilidades psicológicas, determinará novas injunções. O PS afirmará, desenvolto, que aquele é mesmo o "socialismo moderno". E o patronato, protector da doutrina, desenvolveu-a de forma desapiedada. Dentro de quatro anos, o "Jornal de Negócios" dará notícia dos constrangimentos em que vivemos. Luís Delgado e João César das Neves escreverão acerca de "estabilidade e segurança", e continuarão, taciturnamente, a acusar o PREC de tenebrosas responsabilidades. Santana Lopes continuará a dizer coisas. Paulo Portas dissertará, colérico, sobre o "socialismo cristão", de que será, então, praticante e defensor arrebatado.
As sociedades plurais aumentaram e os conflitos religiosos cresceram. As separações não serão falsas separações, mas sim fronteiras rigorosamente delimitadas. As classes, e o que elas comportam de refrega, adquirirão expressões tão violentas quanto os desamparados e os fugidos dos vários desesperos nacionais, acantonados nos arrabaldes sombrios das grandes cidades.
Enfim: por muito optimista que desejaria ser, as possibilidades de alteração qualitativa ou de mudanças sociais escoradas na solidariedade, parecem-me seriamente comprometidas. Dentro de quatro anos escreverei, nestas páginas, o que l’air du temps determinar.
Entretanto, para a semana, cá estarei. Como sempre, a arriscar a opinião. Até lá, Dilecto!