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07 de Outubro de 2005 às 13:00

O que resta da república?

Pouco resta daquilo que se ajustou chamar de “virtudes republicanas”, resumidas a um objectivo quase sagrado: servir o povo. Noventa e cinco anos após a Proclamação, a II República (o hiato fascista de quase meio século é um agravo e não pode contar como

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Pouco resta daquilo que se ajustou chamar de "virtudes republicanas", resumidas a um objectivo quase sagrado: servir o povo. Noventa e cinco anos após a Proclamação, a II República (o hiato fascista de quase meio século é um agravo e não pode contar como definição republicana, exactamente porque constitui uma traição aos seus ideias) contorce-se numa crise desesperada e, aparentemente, sem saída.

Estamos a dois dias de eleições importantes mas que perderam o significado profundo sustentado pela sua peculiar natureza. A República, generosa, fraterna, imaginativa e repleta de plurais ambições, o que lhe conferia grande superioridade humana e política, é, hoje, um regime trágico, dirigido por pessoas cuja simples presença põe uma sombra perversa e sinistra em qualquer alegria de grupo.

Assim como me não revejo na actual Imprensa, ou, melhor: no modo oblíquo de se fazer jornais, não me reencontro nesta confusa, mesquinha e cavilosa paisagem política. Como milhares e milhares de portugueses ainda não sei em quem votar. E, pela primeira vez na minha vida, inclino-me para a hipótese de entregar o boletim sem assinalar nenhuma força política.

O que determina a minha consciência é este fúnebre cansaço silencioso e amargurado, espécie de oposição defensiva ao ruído insuportável, às palavras prostituídas, velhacas e sem sentido de políticos desavergonhados, aos interesses partidários - outros degraus da imensa escada em que o poder se acoita e onde se obtêm prebendas, sinecuras e enormes fortunas. Todos os partidos, sem excepção, são culpados peste crime inominável, qual é o de serem os coveiros da II República. Há-os menos e mais culpados? O grau deste delito não é medível, porque a sua índole é imensurável. O mais e o menos constituem meros problemas de quantidade.

Que fazer? A célebre frase leninista encontra, neste assunto, perturbador cabimento. O coliseu das nossas mais asseadas e nobres esperanças apenas alberga numerosa trupe de fariseus, alguns deles cavalheiros de palavra culta mas de desígnios ocultos. Votar não é, somente, escolher um deles; é, sobretudo, decidir contra os outros.

O paradoxo é que muito pouco separa este daquele e aquele daqueloutro. E o que um indica, o outro omite; o que o outro "esquece", aquele anula. A História não se repete. Porém, é preciso que os acasos do momento se não transformem em forças de uma aparente razão.

Sobra já pouco tempo para se começar a praticar o exercício da crítica. Crítica aos partidos e aos dirigentes partidários, crítica ao Parlamento e aos parlamentares; crítica às Câmaras e aos autarcas. Sem receio de se estar a "fornecer armas ao inimigo", exactamente porque quem possibilitou o estado actual das coisas foram eles, os que nunca se entendem com ninguém porque a vocação de dividir é comum aos que entre si compartilham os numerosos e fartos benefícios do poder. Todos, afinal.

A II República, logo assim o 25 de Abril a fez nascer, procriou e alimentou ferozes inimigos, muitos dos quais treparam aos sucessivos governos. O paralelismo comparativo com a I República é exasperantemente alucinatório. E é aí que a Revolução se não cumpriu. Lê-se Oliveira Marques, Jacinto Baptista, Vasco Pulido Valente e percebe-se a indecisão, a dúvida, o desconcerto, a negligência como marcas funestas de uns e de outros.

Estas eleições não aportam nada de novo, nem sequer os tristes casos de Gondomar, Oeiras e Felgueiras, para não adicionar a lamentável questão de Leiria, cuja autarca beneficiou da coroação que gloriosamente lhe consagrou Luís Marques Mendes. Assuntos desta e de características semelhantes têm polvilhado, ao longo dos anos, um pouco e por toda a parte, o tecido eleitoral português.

Depois de amanhã, o que foi o júbilo de um civismo redesperto há trintas anos converter-se-á num desfile inócuo e acabrunhado para as assembleias de voto.

APOSTILA – A SIC, depois de perder José Alberto de Carvalho para a RTP, dispõe dos três maiores pivôs portugueses de noticiários de televisão: o par Ana Lourenço-João Adelino Faria, imparável em inteligência, educação e inventiva; e Mário Crespo, excelentíssimo profissional, muito bem preparado e informado, que nunca receia interferir, criticamente, no diálogo com os convidados, quando entende ser isso necessário para a clarificação do problema em azo. Dá prazer ver-ouvir estes três grandes jornalistas. E dá-me imenso gosto aqui nomeá-los. Sem esquecer, claro, José Alberto de Carvalho.

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