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Opinião
09 de Janeiro de 2009 às 13:00

O que nos diz Sócrates quando fala?

Com módico interesse, acompanhei a entrevista de José Sócrates à SIC. Os entrevistadores, Ricardo Costa e José Gomes Ferreira, prepararam-se para uma chacina. Foram driblados. O primeiro-ministro é um exímio dialecta, e cultivou a arte de muito falar e pouco (ou nada) dizer. Costa está cada vez mais ancho de si próprio: sobra-lhe de vaidade o que lhe escasseia de fundamento.

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Aquilo é tudo superficial, e a agressividade aparente oculta debilidades culturais e políticas. É pena. Na sua geração Ricardo Costa era, incomparavelmente, o melhor. Creio que se perdeu no fatal labirinto da egolatria. Quanto a José Gomes Ferreira, cujo nome constitui um decalque do nome de um dos maiores poetas portugueses de sempre, é uma espécie de "malthusiano" do jornalismo "económico", e só consegue brilhar e acertar algumas quando tem pela frente homens da estaleca do prof. Medina Carreira e dr. Silva Lopes. Deus os ajude!

Passo ao lado o facto de eles falarem da "crise", sem a enumeração do que, na realidade, é, hoje, a "esquerda popular" e ignorando que a finança cometeu um "mãos ao ar!" sobre a política. As modificações que afectam, hoje, toda a sociedade, inclusive de forma traumática, e a formidável tensão existente entre o global e o local, foram desprezadas. Como desprezadas foram as questões culturais. Com alegre displicência, José Sócrates manipulou e dirigiu a entrevista a seu bel-prazer. Costa não escondia a inquietação, e Gomes continuava a afirmar o desnecessário.

A fórmula está não só errada como ultrapassada. E Sócrates, espertíssimo, já sabe ao que vai. Chegou a ser pungente o incómodo e, até, o embaraço que habitaram os dois entrevistadores. Não me interessa minimamente que, em termos de audiência, o engenheiro tenha ganho ao dr. Cavaco: o primeiro é mais vivo; o segundo, um gélido espeque – e qualquer deles os símbolos do desinteresse.

A páginas tantas, o entrevistado discreteou sobre o PS como paradigma da diversidade de opiniões, e declarou-se muito amigo de Manuel Alegre, e afectuoso camarada de quem discorda. E até disse que a equipa encarregada de estruturar a sua moção para o Congresso que se avizinha é muito ampla, muito plural e, sobretudo, muito apostada em abordar as grandes questões de fundo: ideologia, política, cultura, sindicalismo, presume-se.

Acontece um porém: a indigitada equipa elaboradora da moção completa-se em dois nomes: Alberto Martins e Osvaldo de Castro, ex-apoiantes de Alegre nas presidenciais. Por outro lado, o poeta-deputado não foi ouvido nem achado, além do que está a ser objecto de piadas e de anedotas por parte daqueles que o patrocinaram. Ao contrário das afirmações de Sócrates, não há "unidade" nenhuma no PS. Nem nunca houve. Mas, agora, começa a manifestar-se um projecto pessoal de poder. E um poder autoritário. Os "removidos" são, também, os soaristas, ausentes da moção; assim como ninguém próximo de Jorge Coelho, que fabricou líderes e presidentes com a veemência de um tractor. Igualmente inexistentes na lista todos os responsáveis das federações. Mas há mais, muitos mais afastados.

Os recalcitrantes, ou suspeitos disso, são implacavelmente postos de lado. José Sócrates está a criar uma atmosfera de medo no partido, impondo decisões unilaterais e protegendo aqueles que lhe são afectos. Seria importante que estas questões fundamentais tivessem sido abordadas na entrevista de Costa & Gomes em comandita. Assim como o vazio político e, consequentemente, ideológico criado na sociedade portuguesa não apenas pela inexistência de oposição como pelo facto dominante de Sócrates aplicar o quero, posso e mando indiscriminadamente.

Não sei quando, mas torna-se cada vez mais clara a necessidade de uma nova arquitectura nos partidos. Em todos os partidos, sem excepção. Assim como uma urgente redefinição da Imprensa, cada vez mais preguiçosa, bocejante e amestrada.

APOSTILA – Gostaria de chamar a atenção dos meus Dilectos para o número 482, edição deste mês, de "Le Magazine Littéraire." Entre um muito bem estruturado dossiê sobre Roland Barthes, a famosa publicação francesa inclui um importante debate entre dois escritores, Stéphane Audeguy e François Bégaudeau, sobre "Que faz a literatura da sua época?" É, de certo modo, o regresso ao velho problema do poder da literatura, da "neutralidade" da arte, e da sua função social. O conceito de que toda a literatura é política, ou reflecte mal-entendidos políticos, constitui o corpo fulcral deste excelente trabalho jornalístico. Através da literatura (e de toda a arte, afinal) poder-se-á tomar o pulso das épocas. Segundo Audeguy, "Escolher uma língua, escolher um terreno, escolher um tema, escolher um motivo – é político." A ler atentamente.

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