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O Presidente "outsider"

Cavaco Silva pautou toda a sua carreira política por assumir uma postura de "outsider" da política. Sendo o político com mais longevidade em termos de cargos políticos, primeiro como primeiro-ministro e depois como Presidente, a postura é difícil de sustentar.

Cavaco Silva pautou toda a sua carreira política por assumir uma postura de "outsider" da política. Sendo o político com mais longevidade em termos de cargos políticos, primeiro como primeiro-ministro e depois como Presidente, a postura é difícil de sustentar.

Há um ano, a 9 de Março de 2011, Cavaco Silva fez um discurso arrasador do Governo na sua tomada de posse. Denunciou a emergência económica, financeira e social em que Portugal se encontrava. Condenou as grandes Obras Públicas como irrealistas, e chamou aos primeiros anos do século XXI uma década perdida em termos de crescimento económico. Estava dado o pontapé de saída para a queda do Governo minoritário de Sócrates. Menos de três meses passados, uma nova eleição legislativa dava o mandato governativo ao PSD e ao CDS para formarem um executivo.

Parecia assim ter início um segundo mandato interventivo, uma magistratura de verdadeira acção presidencial. Passado um ano, pouco parece restar do elã desses tempos iniciais. Neste momento, o Presidente sofre uma quebra na popularidade. Que coincidiu com declarações infelizes sobre as suas dificuldades financeiras pessoais, e uma desistência à última da hora de uma visita a uma escola com alunos em protesto. Ontem mesmo, foi entregue uma petição assinada por quarenta mil portugueses na Assembleia da República, exigindo a sua demissão.

Como se explica esta evolução negativa? Membros da coligação de apoio ao Presidente lembram que este aniversário se celebra em condições particularmente difíceis para o País: entre a austeridade progressiva e agravada, não é de estranhar que o ânimo não seja grande. É verdade. Mas também há outras razões para esta falta de entusiasmo.

Sendo eleito por sufrágio universal de todos os portugueses, o mandato presidencial está imbuído de grande força e legitimidade. Porém, os seus poderes são de moderação e arbitragem do processo político que é conduzido pelo Governo. O Presidente da República desbloqueia os impasses do regime, e fê-lo logo neste primeiro ano de mandato, quando liderou a substituição de Sócrates por Passos. Fora destes contextos de crise institucional, o Presidente intervêm pontualmente no processo legislativo. Mas quando, tal como acontece hoje em Portugal, há consonância política entre Presidente e Governo, o chefe de Estado limita-se a apoiar os mandatos, fazendo um ou outro reparo. Apesar das declarações de Cavaco contra a austeridade, o apoio à acção do Governo é total.

É preciso ver também que o ímpeto político com que Cavaco Silva começou este segundo mandato também não foi tão forte como o seu discurso parecia prometer. Comparando tanto com Sampaio como com Soares, na sua reeleição Cavaco conseguiu menos votos do que qualquer um deles. Em paralelo, a abstenção também foi, em 2011, a mais elevada numa reeleição presidencial. A trajectória descendente tanto em termos de participação eleitoral como em termos de votos realça um progressivo distanciamento dos portugueses em relação à instituição da presidência. Certamente este mal-estar em relação às instituições políticas não se centra exclusivamente nem principalmente no Presidente da República. Mas a verdade é que nem o Presidente escapa a ela.

Além disso, Cavaco Silva pautou toda a sua carreira política por assumir uma postura de "outsider" da política. Sendo o político com mais longevidade em termos de cargos políticos, primeiro como primeiro-ministro e depois como Presidente, a postura é difícil de sustentar. As declarações sobre os seus rendimentos foram particularmente mal recebidas não apenas porque demonstraram falta de sensibilidade social num momento crítico. Foram mal recebidas porque existe um populismo latente de indignação contra uma elite política que ao longo de décadas de serviço ao País em cargos públicos e de nomeação política granjeou direitos que estão vedados à maioria dos cidadãos. Este jogo de contabilização sobre quem ganhou, e quanto, do exercício de cargos públicos é um caminho muito perigoso para a saúde da democracia em Portugal. E que não permite a um político como Cavaco Silva permanecer com o estatuto suprapolítico que conseguiu apresentar aos portugueses ao longo de décadas.



Politóloga
marinacosta.lobo@gmail.com
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