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17 de Agosto de 2004 às 13:59

O Pântano

Notícias recentes dão conta da preocupação do ministro em conseguir que não sejam ultrapassadas as metas de despesa para 2004, num momento em que todas as atenções já deviam estar concentradas nos próximos anos.

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Procurar os medos [na raiz do fascismo] pode ser uma estratégia de investigação mais frutuosa que a busca dos pensadores que fundaram a sua doutrina. Robert O. Paxton, The Anatomy of Fascism, Allen Lane, 2004.

Em meados de Agosto, com toda a gente em férias, não se aconselha a discussão de temas pesados. A situação política ou o Orçamento deviam poder esperar até Setembro. Acontece, todavia, que o verão tem uma conhecida tendência para acelerar o apodrecimento daquilo que já não está em bom estado. Assim, mesmo com os políticos em férias, temos vindo a assistir à submersão definitiva do sistema judicial nas areias movediças que há muito o vinham cercando. Como se chegou a este ponto, precisamente na área em que o país dispõe de maior número de especialistas, é algo que deve fazer-nos pensar.

Um dos clamores mais ouvidos por parte desses especialistas é o da falta de meios. Aqui entramos na área do orçamento onde os peritos também começam a abundar, mas onde, contrariamente à justiça, o silêncio tem sido absoluto. Dir-se-á que é normal em Agosto. Sê-lo-ia, de facto, se a preparação do orçamento para 2005 estivesse em fase adiantada. Contudo, não só não há sinais que o indiquem, como assistimos em Julho a uma mudança de governo, acompanhada da alteração profunda na sua estrutura e de decisões quanto à (des)localização de órgãos da administração, com inevitáveis e não antecipadas implicações nos gastos públicos. Seria, por isso, de esperar que se registasse neste momento uma actividade febril em matéria de orientação orçamental e de reavaliação das políticas de despesa, a todos os níveis da administração.

Acresce a isto a confirmação do agravamento do preço do petróleo, que já não pode considerar-se uma simples bolha passageira, mas que, pelo contrário, terá consequências sobre a frágil conjuntura económica. Este é outro factor a exigir particular atenção em matéria de política orçamental, cuja margem de manobra se vê assim ainda mais restringida.

Finalmente, temos vindo a testemunhar o crescente nervosismo dos empresários relativamente à acumulação de atrasos nos pagamentos do Estado, mostrando também estar esgotada essa «folga», cuja utilização o anterior governo se tinha, aliás, comprometido a erradicar das práticas das finanças públicas nacionais.

A consulta do «site» do Ministério das Finanças e o acompanhamento das notícias dele provenientes não permitem, todavia, concluir que a preparação do orçamento para 2005 esteja a processar-se ao ritmo exigido pelos condicionalismos acabados de mencionar. Ao todo, notícias recentes dão conta da preocupação do ministro em conseguir que não sejam ultrapassadas as metas de despesa para 2004, num momento em que todas as atenções já deviam estar concentradas nos próximos anos.

Com efeito, se há algo que não deixa dúvidas em matéria de controlo e reorientação das despesas públicas é a necessidade da sua programação a prazo. Não só as práticas doutros países o demonstram, como a experiência dos últimos dois anos o comprovou inquestionavelmente. Cortes no investimento público, congelamentos salariais, cativações de verbas são, todas elas, medidas de curto prazo que, quando muito, podem ser úteis para dar tempo a que se estabeleçam novos procedimentos e novas práticas, mas que não resolvem o problema de fundo e podem até agravá-lo, aumentando a pressão para novos aumentos.

A França que, tal como Portugal, aprovou uma nova lei de enquadramento orçamental em 2001 e tem tido dificuldades sérias em matéria de défice orçamental, iniciou em Fevereiro a preparação do orçamento de 2005 e, no fim de Julho, todos os membros do governo já tinham sido informados pelo primeiro-ministro quantos aos limites de verbas que terão ao seu dispor no próximo ano. Todos os passos da preparação do orçamento, bem como da introdução de novos princípios de gestão pública, estão amplamente documentados no «site» do MINEFI, o que assegura a transparência dos processos e garante o apoio crítico da opinião pública esclarecida.

Sem essa base e sem a apresentação global das reformas que se pretende levar a cabo, dos seus objectivos, da sua programação no tempo e da distribuição concreta dos benefícios e dos sacrifícios que delas se esperam, mesmo as boas políticas arriscam-se a ser vistas como simples artimanhas a que os políticos recorrem ao sabor das conveniências eleitorais e de que os grupos de interesses se apropriam. Dito de outra forma, a política reduz-se à conquista do poder e à captura do Estado, enquanto os eleitores se entretêm com escândalos e futebol. Por isso se justificam os «Ecos» de Vasco Pulido Valente (DN, 15 de Agosto): «Tenho estado a reler a bibliografia clássica sobre o nazismo. Não por acaso. Porque o nazismo, sendo um caso extremo ou, mais precisamente, o caso extremo da dissolução de uma democracia (a República dita de Weimar), ajuda à sua maneira, e apesar de passado mais de meio século, a compreender alguma angústia de hoje. Não se trata evidentemente de comparar o incomparável. Mas, de qualquer maneira, há um eco ou há ecos, que esclarecem e sem dúvida inquietam.»

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