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22 de Outubro de 2009 às 11:30

O País na palavra "fuja"

António Marinho Pinto não é homem de poucas palavras. Mas quando lhe pediram que escolhesse apenas uma para qualificar a Justiça em Portugal, ele respondeu: "Fuja". Foi nos Gato Fedorento, mas o bastonário não estava a brincar. Foi com um verbo que...

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António Marinho Pinto não é homem de poucas palavras. Mas quando lhe pediram que escolhesse apenas uma para qualificar a Justiça em Portugal, ele respondeu: "Fuja". Foi nos Gato Fedorento, mas o bastonário não estava a brincar.

Foi com um verbo que o bastonário da Ordem dos Advogados adjectivou a Justiça. Fez bem. Porque recomenda uma acção: fugir é desistir mas é, ao menos, a opção de não pactuar com um sector mais desmandado que demandado.

Marinho Pinto não é um bastonário qualquer, e muitos advogados abominam-lhe o estilo e o conteúdo. Incluindo a generalização da suspeita, com que demasiadas vezes lança anátemas sobre classes profissionais e irresponsavelmente fala (por exemplo da corrupção), tomando o todo pela parte. Mas é antigo o despeito que sente em relação aos juízes.

Foi talvez com António Pires de Lima que a Ordem dos Advogados desceu do pedestal da representação institucional impante mas irrelevante para a sociedade. Depois, José Miguel Júdice tornou-se um hiperactivo crítico da Justiça, chegando a incitar a população à revolta contando as suas obnóxias experiências com a Justiça (no que chamou de "Galeria dos Horrores") e propondo uma utópica união das profissões jurídicas. Depois do seu estilo guerrilheiro veio um pacificador Rogério Alves, que negociou paz e pazes. Agora, é Marinho Pinto, com quem se uma coisa não vai, a coisa racha.

Quando os empresários dizem que a Justiça é o maior obstáculo aos negócios e ao investimento estrangeiro em Portugal, não estão apenas a falar de burocracia. Estão a falar da discricionariedade com que o poder é exercido.

Os exemplos são muitos. E as buscas a escritórios de advogados por causa da compra dos submarinos pelo Estado é apenas a mais recente. É um mau exemplo, não porque o caso não seja fundamental, que é. Mas pela presença prévia de jornalistas para captar a "entrada em campo". E sobretudo pelo "timing", o dia seguinte às eleições legislativas. Há uma gestão do processo penal em Portugal? Quem a faz? Por que razões a faz? Com que critérios? Políticos?

O Morcego Vermelho, um super-herói de BD que tinha como verdadeira identidade o Peninha, costumava anunciar-se com uma frase: "Bandidos, tremei!". Com a Justiça portuguesa será: "País, tremei!". Ou, na versão de Marinho Pinto: "Fuja". Porque ninguém ousa enfrentar.

O Governo cessante pouco fez na Justiça e nada fez pela Justiça. Houve alterações duvidosas nos Códigos (nomeadamente no Processo Penal). Houve melhorias na gestão dos meios judiciários (contestadas, como sempre) mas a primeira afronta, aliás inútil, a das férias dos juízes, foi o princípio e o fim dessa governação, que de resto só preencheu calendário.

Estamos a dias de conhecer o novo Governo e não se espera para a pasta da Justiça quem venha fazer muita mossa: se uma maioria absoluta não conseguiu, uma frágil maioria relativa nem sequer tentará. Mas esta é uma das reformas mais importantes que permanecem penduradas no cabide dos políticos, por medo ou, pior ainda, por conveniência.

A democracia não é viável sem Justiça e o País não é possível sem outro sistema de Justiça. Fingir e preferir a inacção é como pendurar uma bomba-relógio para ver as horas. É preferível ter uma guerra suja do que sucumbir à paz "fuja". Se o sistema de Justiça não muda, alguma coisa rebenta. Talvez o próprio sistema de Justiça.


psg@negocios.pt


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