Opinião
O número excessivo de funcionários públicos (I)
Não é possível proceder a um «emagrecimento» do Estado em Portugal sem reduzir o número de funcionários públicos. E, neste contexto, o prioritário é proceder a essa redução – a forma de financiamento é secundária.
Ao ter apresentado, no encerramento do XXIX Congresso do PSD, em 21 de Maio passado, a proposta de reduzir o (excessivo) número de funcionários públicos por via de rescisões amigáveis (isto é, por mútuo acordo) financiadas por uma linha a negociar no âmbito do próximo Quadro Comunitário de Apoio 2007-2013 (o QREN, Quadro de Referência Estratégico Nacional), Luís Marques Mendes pôs o dedo numa das principais «feridas» da Administração Pública Portuguesa: não é possível proceder a um «emagrecimento» do Estado em Portugal sem reduzir o número de funcionários públicos. E, neste contexto, o prioritário é proceder a essa redução - a forma de financiamento é secundária. Miguel Cadilhe propôs que fossem utilizadas as reservas de ouro do Banco de Portugal; Eduardo Catroga propôs a emissão de dívida pública especificamente para este efeito (proposta que eu próprio já defendi, nesta mesma coluna, no texto de 4 de Abril último); agora, Marques Mendes propôs a abertura de uma linha específica que permita obter os indispensáveis recursos financeiros para este efeito, no âmbito do QREN.
Embora qualquer uma das opções me pareça viável, e tenha mesmo anteriormente defendido, como já referi, a emissão de dívida pública para este efeito, julgo que a opção que o Presidente do PSD agora apresentou teria a vantagem de não diminuir as reservas de ouro do Banco de Portugal - um activo sempre importante em eventuais situações de emergência que nunca se sabe quando poderão ter lugar –, num caso; ou de não acarretar quaisquer encargos financeiros futuros para as nossas contas públicas, como sucederia no caso da emissão de dívida pública para este fim. Deve, no entanto, salientar-se que a assunção destas responsabilidades seria virtuosa, porque ajudaria a resolver uma das vertentes fundamentais de um problema com que Portugal se debate desde há já vários anos: a redução do peso do Estado na economia. Que, este sim, é o que verdadeiramente importa.
Num primeiro momento, estranhei a reacção da parte do Partido Socialista, no Governo, e, sobretudo, do Primeiro Ministro a esta proposta, concentrando-se apenas na forma de financiamento e negando que tal fosse possível... como se todos não soubéssemos que, em Bruxelas, tudo é negociável!... Foi assim, por exemplo, com o PEDIP (Programa Estratégico para o Desenvolvimento da Indústria Portuguesa), no início dos anos 90: toda a gente, quer em Portugal, quer em Bruxelas, dizia que o seu financiamento com verbas comunitárias era impossível; no entanto, acabou por ser uma realidade... E existem áreas específicas nas quais a Comissão Europeia já financia (ou financiou no passado) desvinculações laborais: agricultura, açúcar de beterraba, pescas e aço.
No entanto, pensando depois melhor, acabei por concluir que esta reacção nada tinha de estranho – muito pelo contrário. Vejamos porquê.
Desde logo, esta opção por parte do PS e do próprio Primeiro-ministro, de se concentrar apenas na questão do financiamento para tentar denegrir, de forma demagógica, a proposta do PSD, revela uma total falta de empenho político em resolver a questão. Porque, se a Constituição não permite o despedimento de funcionários públicos e se é amplamente reconhecido que a nossa Administração Pública tem entre 150 mil e 200 mil funcionários públicos a mais (dos cerca de 740 mil que hoje existem), alguma solução alternativa tem que ser apresentada para que a redução necessária possa ter lugar. Esperar que as aposentações dos actuais funcionários aconteçam não é, obviamente, suficiente – isto para além de que, todos aqueles que se reformam, não deixam de ter impacto nas contas públicas (não, agora, na rubrica de salários, mas no pagamento de pensões da Caixa Geral de Aposentações). E porque, como se viu no ano passado, apesar das reformas que, naturalmente, tiveram lugar (como em todos os anos), mesmo assim o número de funcionários públicos cresceu em pouco mais de 1000...
No entanto, esta manifesta falta de vontade do Partido Socialista em tomar posição sobre este assunto (concentrando-se no acessório, e não no essencial, isto é, «chutando para canto», agora que até estamos em altura de Campeonato do Mundo e tudo...) vem na linha do que recentemente sucedeu na apresentação do PRACE (Programa de Reforma da Administração Central do Estado): como foi – e ainda continua a ser – possível que uma reforma considerada fundamental para a Administração Pública Portuguesa, não contivesse sequer um número, uma estimativa das poupanças financeiras que lhe estão subjacentes?!
E entronca, também, na evolução do comportamento do Ministro das Finanças sobre este assunto: em Novembro passado, no debate do Orçamento do Estado para 2006, na Assembleia da República, Teixeira dos Santos admitiu que existiam, de facto, funcionários públicos a mais e que a consideração de rescisões amigáveis poderia ser uma das alternativas a equacionar.
No entanto, alguns meses depois, em Março deste ano, no programa televisivo «Prós e Contras», o mesmo Ministro das Finanças já colocava em causa a existência de um número excessivo de funcionários públicos. Que tinha sérias dúvidas, que era preciso estudar mais (calcule-se!...) mas que, para já, o que achava é que... seria necessário proceder a uma reafectação de funções, a uma maior mobilidade, e não a uma redução do número de funcionários! Raciocínio que ainda no fim-de-semana que passou repetiu... Elucidativo, não é?!
Creio que para se tomar uma opção política deste género é preciso coragem... e se, sem dúvida, o maior Partido da oposição a teve - numa postura de louvar e que nem sequer é habitual em Portugal – duvido muito, por tudo o que se tem visto até agora, que o Partido do Governo a venha a ter. O que, aliás, bateria certo com a trajectória que as despesas com o pessoal da nossa Administração Pública tiveram desde o final dos anos 80. É sobre isto que escreverei na segunda parte deste artigo, de hoje a quinze dias, em que identificarei o porquê de termos chegado à situação que hoje enfrentamos. E em que se verá, «preto no branco», por que não é, afinal, tão estranha assim, a reacção do Partido Socialista à proposta de Marques Mendes. Nem a falta de empenho político em resolver um problema crucial para tornar o Estado Português mais diminuto, ágil, eficiente e dinâmico. O que, claro, a acontecer, só virá beneficiar a evolução da nossa economia e... a criação sustentada de mais e melhores empregos, suportando assim, obviamente, a utilização de fundos comunitários para financiar, num primeiro momento, as rescisões amigáveis (»destruição de empregos») na Administração Pública.