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22 de Novembro de 2007 às 13:59

O Kosovo na hora da independência

O Mosteiro de Decani, o maior templo ortodoxo dos Balcãs, foi uma vez mais atacado a morteiro no final de Março e os esforços da UNESCO para reconstrução e conservação de monumentos cristãos e muçulmanos danificados nas guerras e confrontos do Kosovo avan

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O projecto da UNESCO é um indicador bastante fiável para aferir as hipóteses de convivência pacífica de albaneses e sérvios no Kosovo tanto mais que os equilíbrios diplomáticos levaram à selecção de sete monumentos do património cristão-ortodoxo e seis da herança muçulmana, uma pequena parte do espólio arquitectónico do Kosovo.

A julgar pelas dificuldades que tem encontrado a UNESCO, o panorama é desanimador e o sentimento de déjà vu dos últimos dias não augura nada de bom nas véspera da declaração unilateral de independência do Kosovo. 

O sucessor de José Sócrates na presidência europeia, o primeiro-ministro da Eslovénia, Janez Jansa, afirmou que a União Europeia tem de “assumir a liderança” no Kosovo pois trata-se de uma “questão doméstica na Europa, não na Federação Russa ou na América”.

O ministro britânico para os Assuntos Europeus, Jim Murphy declarou, por sua vez, estarmos ante “um desafio europeu que não podemos pedir aos Estados Unidos para resolver”.

São ecos da tirada do luxemburguês Jacques Poos que à frente da diplomacia da União Europeia declarava enfático em Maio de 1991: “Eis chegada a hora da Europa!”. Um mês depois começavam as guerras da Jugoslávia com as declarações de independência da Eslovénia e da Croácia.

A secessão e a guerra

A vitória do Partido Democrático do ex-guerrilheiro Hashim Thaci humilhou a histórica Liga Democrática de Fatmir Sejdiu, o sucessor do falecido Ibrahim Rugova na presidência, essencialmente protocolar, do Kosovo.

O boicote da minoria sérvia, extensivo à votação para órgãos municipais, e a escassa participação eleitoral de apenas 45 por cento não impedem ainda assim que os partidos rivais negoceiem uma coligação governamental para proceder a uma declaração unilateral de independência a curto prazo.

Fracassadas as negociações mediadas pela ONU a questão prioritária passa a ser evitar a eclosão de um conflito armado entre sérvios e albaneses.

Uma escalada da violência é previsível tendo em conta os arsenais ao dispor de grupos clandestinos como os albaneses do Exército de Libertação do Kosovo ou os sérvios da Guarda do Rei Lazar numa região onde a ONU estima existirem 267 mil armas ligeiras nas mãos de particulares.

A declaração unilateral de independência provocará de imediato o encerramento da fronteira com a Sérvia que imporá um embargo comercial.

Os cerca de 80 mil sérvios concentrados no norte da província ameaçam, por seu turno, fazer secessão o que poderá destabilizar ainda mais a turbulenta Bósnia-Herzegovina onde a comunidade sérvia se opõe a croatas e muçulmanos além de acalentar veleidades separatistas entre os albaneses da Macedónia. 
    
Em caso de confrontos no Kosovo mais difícil se tornará, também, a situação doutras minorias discriminadas pelos albaneses como os roma, bósnios e turcos.

A garantia de Belgrado de apoiar futuras estruturas paralelas de poder da minoria sérvia, à semelhança da táctica seguida pelos albaneses no Kosovo nos anos 90, traz consigo a ameaça de uma intervenção militar que arrisca um confronto directo com os 16 mil militares da NATO presentes na província. 

Num clima de conflito, as próximas eleições presidenciais na Sérvia poderão saldar-se por uma vitória do líder ultranacionalista do Partido Radical Tomislav Nikolic e pôr em causa em causa o acordo de estabilização e associação em negociação com a União Europeia. 

A Croácia e o Montenegro e até mesmo a Macedónia poderão prosseguir as negociações com Bruxelas, mas tal dificilmente sucederá no caso da Bósnia-Herzegovina onde aumentarão as probabilidades de secessão da Republika Srpska e de nada valerá a presença da força de 2 500 homens patrocinada pela União Europeia.
   
Uma independência na miséria

Para um Kosovo independente o cenário é negro. A economia da província entrou em colapso nos anos noventa, subsiste à custa da assistência externa, das transferências dos emigrantes, do contrabando, do tráfico de droga e pessoas, e não gera empregos para os 25 mil jovens que entram anualmente no mercado de trabalho.

O desemprego atinge os 40 por cento entre os cerca de 1,8 milhões de habitantes do Kosovo e ascende aos 75 por cento entre os jovens dos 15 aos 24 anos.

Os investimentos necessários para recuperar o sector energético e relançar a exploração de minas são estimados em 1,7 mil milhões de euros e o dinheiro não surgirá enquanto o estatuto do Kosovo não estiver esclarecido.

O apoio de Moscovo a Belgrado compromete o reconhecimento pela ONU de um Kosovo independente e, conforme Vladimir Putin tem reiteradamente afirmado, abrirá um precedente que poderá levar a sucessivas secessões na Transdnistria, pondo em causa a Moldova, na Abkázia e na Ossétia do Sul, ameaçando a integridade da Geórgia.

Na expectativa de novo confronto entre Washington e Moscovo por via do Kosovo é compreensível que estados como a Grécia, o Chipre, a Eslováquia, a Roménia e a Espanha levantem objecções a um reconhecimento da independência por parte da União Europeia.

A manter-se o apoio dos Estados Unidos a uma declaração de independência do Kosovo só restará, no entanto, à União Europeia proceder da mesma maneira e assumir imediatamente o envio de uma força policial que terá de ultrapassar largamento os 1800 homens inicialmente previstos para substituir a missão da ONU.

De resto, fica em agenda a séria possibilidade de incorporação do norte do Kosovo na Sérvia e a partilha da Bósnia-Herzegovina. São duas consequências que decorrem do reconhecimento da independência do Kosovo por parte da União Europeia.

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