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08 de Fevereiro de 2007 às 13:59

O impacto do futuro nas decisões de hoje

As alterações climáticas estão, finalmente, na ordem do dia, na "top list" das notícias que "vendem". Diz-nos a experiência que, quando os assuntos sérios conseguem, finalmente, romper a "barreira da comunicação" e chegar ao grande público, estamos realme

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Longe vão os tempos, pioneiros, do relatório L. Meadows sobre os "Limites do Crescimento" para o "Club de Roma" ou Willy Brandt para a IS (na época, centrados sobre o problema do desenvolvimento e ainda na óptica dos recursos escassos e do subdesenvolvimento).

Após mais de 35 anos a "não querer ver" – 20 anos após "Os Limites do Crescimento", o protocolo de Kyoto e as suas sequelas, e o impasse de Doha cerca de uma década depois são uma demonstração inequívoca dos egoísmos que apenas conduziram à atitude de "deixa andar" –, aí estão as consequências da nossa imprevidência largamente ilustradas em relatórios recentemente apresentados.

Refiro-me ao relatório Nicolas Stern, que veio a público, em Inglaterra, no Verão do ano passado ou o 4º relatório de avaliação do Painel Intergovernamental Para Alterações Climáticas (IPCC), patrocinado pelas Nações Unidas e tornado público em Paris na passada sexta-feira. Neles se apresenta evidência solidamente construída e, eventualmente, alarmante sobre o impacto profundamente negativo provocado no nosso meio ambiente pelo modelo de economia dominante nas sociedades desenvolvidas.

Estes relatórios apresentam avaliações inquestionáveis dos diferentes aspectos da degradação progressiva das condições básicas, físicas e biológicas, que tornaram possível a vida na Terra, tal como a conhecemos, procuram identificar as consequências negativas dessa alteração sobre os nossos padrões de vida e apontam caminhos para tentar evitar a catástrofe.

Os alarmes mais recentes começam, finalmente, a preocupar a opinião pública. São sinais evidentes da importância crescente que este tema começa a merecer aos grupos com efectivo poder de decisão, quer a receptividade da campanha de Al Gore em torno do tema "Uma Verdade Inconveniente", quer a importância central assumida pelas "alterações climáticas" na recente cimeira de Davos ou o apelo de J. Chirac para a criação de uma "ONU do Ambiente" na Cimeira de Paris no passado sábado, quer mesmo, suprema ironia, a evidência dada a este tema pelo presidente G. Bush como tábua de salvação no seu recente discurso sobre o "Estado da União".

O problema dos modelos sustentáveis de actividade económica é, portanto, cada vez mais actual. Melhor, a janela de oportunidade para a transição está já a correr e poderá ficar demasiado cerrada dentro de muito pouco tempo.

Se nada for feito, as externalidades ambientais do nosso modelo de economia conseguirão concretizar, ainda este século, aquilo que os diferentes marxismos procuraram, em vão, durante cerca de três quartos da duração do século passado, a destruição do modelo capitalista de sociedade.

Dos (já) longínquos anos 60, chega-nos o aviso do poeta – "vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar".

Para Portugal, este é também um problema crucial. No momento em que tentamos consolidar uma caminhada em direcção a modelos de actividade mais modernos, ie, mais "tecnológicos" e "inovadores", é indispensável interrogarmo-nos sobre os fundamentos da sustentabilidade das escolhas que estão a ser feitas. E não basta garantir a neutralidade dos impactos ambientais associados a essas escolhas.

De facto, quando se trata de decisões estratégicas, estamos a falar em horizontes temporais da ordem de, por exemplo, 30 anos. Os estudos acima citados (e outros igualmente fiáveis) dão-nos a garantia de que, num horizonte temporal desta ordem, as condições ambientais e de exercício da actividade económica irão sofrer significativas (e apenas parcialmente antecipáveis) mudanças. A avaliação económica e social de tais opções (particularmente na óptica do valor económico, social e estratégico criado) não pode ser feita com base na simples extrapolação das tendências subjacentes ao funcionamento actual da economia portuguesa.

Estamos perante a perspectiva de mudanças estruturais profundas nas condições do exercício da actividade económica, ie, dos pressupostos da própria avaliação. Por outras palavras, ao risco, quantificável, de mudança do padrão de actividade associa-se o risco, imponderável, de alteração das condições externas do exercício (ou mesmo da existência) dessa particular actividade económica.

De facto, quando se reflecte sobre o modelo de especialização de um país ou de uma região, por exemplo, o "cluster da mobilidade" (seja a indústria automóvel ou a aeronáutica ou os serviços e o turismo) ou quando se delibera sobre o lançamento de grandes projectos infra-estruturantes apenas recuperáveis financeiramente a longo prazo, estamos a admitir, implicitamente, a estabilidade de um certo modelo logístico/transportes associado a uma certa estrutura espacial das especializações económicas e dos modelos de urbanismo, ie, estamos a assumir, implicitamente, a manutenção dos modelos de funcionamento de economia e sociedade que nos são familiares.

Ora, a realidade económica e social tal como a conhecemos está a ser crescentemente posta em causa quer pelas alterações ambientais quer pelas medidas tomadas para as limitar – que, na realidade, dizem-nos os relatórios em apreço, deverão estar em concretização no horizonte de 2020 (i.e., do ponto de vista económico, amanhã).

No caso português, a sustentabilidade de diferentes escolhas estratégicas que estão a ser feitas (explícita ou implicitamente) repousa sobre o custo relativo da função logística. Ora, esta função está no centro das actuais preocupações ambientais e o seu futuro depende fortemente da evolução da tecnologia e do custo energético associado (muito provavelmente, nas próximas décadas, ainda petróleo e as externalidades ambientais decorrentes).

Assim, num cenário tão imprevisível, numa altura de crescente incerteza sobre a evolução das variáveis fundamentais que condicionam o modelo de sociedade em que vivemos é prudente privilegiar as escolhas estratégicas flexíveis e evitar os caminhos demasiado rígidos, cuja valia económica depende da estabilidade de comportamentos cada vez mais contingentes, tendo em conta o "peso específico" das limitações decorrentes da realidade ambiental.

Na economia, como na natureza, as estratégias de especialização permitem grandes êxitos em períodos de estabilidade mas, em épocas de mudança estrutural, a sua rigidez conduz rapidamente a posições de total ineficiência ou mesmo ao fracasso. As estratégias de flexibilidade/adaptação, pelo contrário, permitem sobreviver a alterações radicais das condições estruturais e sobreviver, tranquilamente (embora com uma eficiência mediana), nos períodos de estabilidade.

A ser verdade que estamos, finalmente, preocupadas com as alterações ambientais e vamos começar a concretizar, a nível global, as respostas necessárias (ou, na ausência dessas respostas, irão prevalecer as alterações resultantes da degradação das condições ambientais ) então o futuro vai ser progressivamente diferente do passado e o que sabemos da experiência recente será de valor muito limitado para pensar "o que fazer qa seguir" e, nos horizontes temporais em referência, a "flexibilidade" como estratégia será, de facto, o "instrumento" da sobrevivência.

Termino recordando o exemplo do projecto do complexo de Sines, datado do "marcelismo" (início da década de 70), tornado obsoleto com a crise do petróleo de 1973 (uma estratégia de "especialização" no contexto da estabilidade económica do pós-guerra "decidida tarde de mais", no início de um período de turbulência e alterações estruturais) e que ainda hoje, 35 anos depois, constitui um problema sem solução. E, neste caso, tratou-se "apenas" de um ajustamento quantitativo nas varáveis base do modelo. Hoje defrontamos um "futuro" de alterações qualitativas, portanto estruturais, de consequências muito mais profundas.

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