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O Futuro do nuclear é o passado

Apesar da escassa participação nas grandes decisões que nos afectam, somos capazes de nos interessar pelos debates associados, mesmo quando a tomada de decisão não é fácil. O recente desenlace do “desafio” Alcochete – Ota acabou por se saldar por um pouco

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Depois da infra-estrutura de transportes, o problema energético é talvez o tema que suscita maior entusiasmo e participação. Mesmo as energias hídrica ou eólica têm sido fontes de polémica porque o facto de serem limpas e renováveis, não as iliba de impactos negativos sobre a paisagem, espécies selvagens ou invasão de parques naturais resultantes da construção de barragens ou da instalação de grupos aero-geradores.

No entanto, o nível de emoção sobe rapidamente quando se discute a alternativa nuclear. Há mais de 20 anos o nuclear atraiu a atenção dos decisores e do grande público quando chegou a estar em estudo a localização de uma central nuclear nas proximidades de Peniche. Como habitualmente, a discussão teve lugar em fim de ciclo, já que as décadas de 80 e 90 foram um período em que não houve praticamente nenhum novo investimento em energia nuclear nos países desenvolvidos. Em Portugal, o elevado investimento inicial requerido e a indisponibilidade do estado português para financiar a central puseram termo a uma discussão que não foi encerrada com um estudo conclusivo como o do LNEC sobre o novo aeroporto.

O desinteresse pelo nuclear durante essas décadas deve-se a um conjunto de factores: nível geralmente baixo dos preços do petróleo, passados os choques de 73 e 80; ganhos de eficiência no consumo e produção de energia, com destaque para a energia eólica, que apesar disso não impediram o acréscimo das emissões de CO2 do carvão e do petróleo; declínio do conceito de “autonomia energética” que tinha levado a França, por exemplo, a um enorme investimento em centrais nucleares nos anos 60 e 70; ocorrência de acidentes graves como o de “Three Miles Island” nos EUA em que esteve em risco directo uma população de mais de 100.000 pessoas e a trágica explosão de Chernobyl na Ucrânia; e, talvez, mais significativa, a persistência da incapacidade de encontrar uma solução segura e económica para os resíduos das centrais quando chegam ao fim da sua vida útil, fenómeno que está a atingir um grande número das centrais instaladas.

A situação actual favorece o relançar do debate sobre o nuclear. Para além da urgência da decisão de substituir ou não as centrais em fim de vida, o preço do petróleo atingiu aparentemente um patamar muito elevado, embora o Presidente da GALP preveja a sua queda para 70/80 dólares por barril, a instabilidade no médio oriente relançou o conceito da autonomia energética e as preocupações com as alterações climáticas fazem com que mesmo alguns ambientalistas defendam a opção pelo nuclear.

Existe um leque importante de defensores da alternativa nuclear. Empresas como a francesa EDF ou a alemã E.ON têm um forte domínio da tecnologia mais moderna e estão interessadas em ganhar os contratos gigantescos que o nuclear pode gerar. A nova central que a Finlândia decidiu construir foi considerada como o renascer do ciclo do nuclear. A recente decisão do governo de Gordon Brown de relançar o nuclear num país em que o nuclear cobre 20% das necessidades e as centrais em funcionamento terão de ser fechadas até 2023, veio trazer uma perspectiva mais favorável ao renascimento da energia nuclear.

No entanto, os grandes problemas persistem – a viabilidade económica continua por demonstrar mesmo com a taxa de actualização de 5% habitualmente usada neste sector e sem ter em conta o mau presságio originado pela derrapagem das despesas de investimento da central finlandesa; os problemas de segurança agravaram-se face à vulnerabilidade à ameaça terrorista e ao risco de proliferação de resíduos potencialmente utilizados no fabrico de engenhos de destruição; finalmente, a solução dos resíduos activos no fim de vida das centrais continua por encontrar. A Espanha criou uma empresa – Enresa – para armazenar os resíduos nucleares, ao mesmo tempo que tem vindo a anunciar a não substituição das centrais em funcionamento, várias junto à fronteira portuguesa.

Talvez o resultado do nuclear versus não nuclear também se salde por um quase empate, mas não parece previsível que, sem fortes apoios estatais, o sector possa estar à beira do renascimento.

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