Opinião
O fim da macacada
Numa próxima remodelação o Primeiro Ministro deverá aumentar o número de ministros para 100.
Um destes dias, estava eu a investigar – não tem isto nada que ver com as escutas da Judiciária, estou aqui a falar da actividade normal de um professor em qualquer universidade – quando deparei com uma ideia interessante, ainda pouco explorada na literatura.
O estudo do comportamento do macaco japonês macaca fuscata, popular entre os investigadores dadas as suas características únicas de socialização de comportamentos, revelou uma faceta inesperada, que tem a ver com a alimentação dos ditos bichos.
O macaca fuscata é um animal violento, não sendo perigoso devido ao seu reduzido tamanho (de 60 cm a 1,20 metros). A sua alimentação consiste sobretudo em frutas e outros vegetais, chegando estes animais a alimentar-se de casca de árvores no Inverno, quando já nem as flores nem os rebentos estão disponíveis.
Aliás, estes seus hábitos alimentares explicam porque são mal vistos entre os agricultores japoneses. Para os atraírem para fora dos bosques, os cientistas atiravam batatas doces para o chão, que os macacos rapidamente apanhavam.
Face à aspereza da terra que se colava assim à casca da batata, esfregavam-na entre as mãos antes de a comer. Ora, um dia de 1952, a macaca Imo (que quer dizer batata doce em japonês) lavou a batata na água de um ribeiro próximo, em vez de a esfregar.
Este comportamento foi imitado por outros macacos jovens, mas curiosamente não se generalizou, sendo raros os macacos adultos que o praticavam. Tal situação manteve-se até ao Outono de 1958, altura em que Imo e mais 100 macacos, jovens na sua esmagadora maioria, lavavam as batatas.
Nesse dia, de um momento para o outro todos os macacos, sem excepção, começaram a lavar as batatas. Isto é surpreendente por demonstrar que a generalização de um comportamento requer que o número de indivíduos que o praticam atinja um determinado patamar, neste caso de 101 indivíduos.
Abaixo deste patamar o comportamento é considerado uma curiosidade, sendo observado, mas não seguido pelos outros indivíduos; transposto este patamar o comportamento é adoptado por todos. Este fenómeno é também observado nas sociedades humanas. Mas há mais.
O escocês Mac Acco relata no seu paper “The Monkey Society: Are Humans Different?” que uma vez adoptado, o comportamento é mesmo melhorado pela sociedade. De novo para o macaca fuscata, observou-se que, mais tarde, os macacos passaram a lavar as batatas na água salgada, em vez da água doce, por lhes melhorar o sabor.
E passaram mesmo amorder a batata antes de amergulhar na água, para que o sal se entranhasse. Oque se tornou notável é que todos os macaca fuscatapassaram a proceder assim, mesmo os de ilhas vizinhas. Há outros animais que também evidenciam a adopção de padrões de comportamento social após ser ultrapassado o patamar de 101 membros.
O Professor Magret de Canard, da Universidade de Auch e discípulo de André Daguin, chama a atenção para esta questão no seu paper “La migration de nos Amis de Plumes: un Autre Vol-au-Vent”. Já alguém viu um pato, seja ele o anas linnaeus, o dendrocygna antumnalis, o histrionicus histrionicus ou outro, voar para o Sul sozinho?
Vão em bandos, que aprenderam a fazê-lo ao atingir os 101. E o grupo nunca se perde, sendo frequente que ave que se atrase e que assim fica sozinha nunca chega ao seu destino, como comprovado para o anas lisbonensis.
Resultados semelhantes foram reportados pelo chileno Rate Azana, no livro “Qué pena! Si Habia Ratones en el Titanic...”, ao descrever o comportamento típico dos ratos de navio: provou que para o rattus norvegicus, o chinchilluta sahamae ou o rattus lusitanus, quando 101 ratos abandonam um navio, todos os outros, sem excepção, o fazem.
A irrelevância do comportamento de um rato é óbvia: já alguém viu um marinheiro recusar-se a partir numa embarcação se um rato abandonar o navio? Agora se o abandonam todos...
E, igualmente interessante, as populações de ratos aprenderam depois que a mais eficiente forma de abandonar o navio é pelas amarras e não atirando-se à água, como inicialmente faziam. Um último exemplo merece destaque, pelo notável trabalho empírico realizado pelo italiano Andiamo Carneirini.
Na sua contribuição “Tutti Sono una Carneirada”, Carneirini prova que o patamar de 101 determina uma forte tendência de imitação nas populações de carneiros, sejam eles o perugina del piano, o capra linnaeus, ou o Algarve churro, comportamento que se acelera quando no rebanho está presente um indivíduo da espécie bodus espiatoris.
Tudo isto nos leva a três conclusões notáveis:
> A adopção de um determinado comportamento por 101 indivíduos de um grupo, conduz à sua generalização a todo o grupo, como provam as investigações reportadas para o macaca fuscata, o capra linnaeus, o rattus norvegicus, etc.;
>São ainda criadas sinergias, que levam a que a resultante do comportamento do grupo supere a soma dos comportamentos individuais (relembremos o macaca fuscata a lavar as batatas ou o anas linnaeus que no bando nunca perde o Norte – ou, neste caso, o Sul);
> Finalmente, a socialização do comportamento é factor de melhoria deste (como se verifica com o macaca fuscata e a água salgada ou o rattus lusitanus, que passa a abandonar o navio pelas amarras).
Então, pode daqui retirar-se uma importante recomendação para o Senhor PrimeiroMinistro: na próxima remodelação, que todos (a começar por aquele comentador político) dizem que se avizinha, deverá aumentar o número de ministros para 100, o que, consigo, significa um governo com 101 membros.
Atingido assim este patamar, basta que um ministro governe bem para que todos não só passem a governar (generalização do comportamento), como a governar bem (melhoria social).
Quando lhe perguntaram porque razão o Governo deveria ter 100 membros além do Primeiro Ministro, Frederico respondeu: “só há duas alternativas: ou cem ministros, ou sem ministros”.