Opinião
O confisco
O Supremo Tribunal da Tailândia confiscou mais de metade da fortuna do ex-primeiro-ministro Taksin Shinawatra num dos mais controversos processos judiciais na história recente da monarquia do Sião. Os juízes ordenaram na passada...
O Supremo Tribunal da Tailândia confiscou mais de metade da fortuna do ex-primeiro-ministro Taksin Shinawatra num dos mais controversos processos judiciais na história recente da monarquia do Sião.
Os juízes ordenaram na passada sexta-feira o confisco de 46.370 milhões de bath (1.026 milhões de euros) do total de 76.600 milhões de bath (1.700 milhões de euros) em depósitos bancários congelados pelas autoridades em Junho de 2007.
Por 8 votos a favor e 1 contra, o Tribunal deu como provado que o antigo chefe do governo abusou do poder durante os seus dois mandatos entre Fevereiro de 2001 e Setembro de 2006, em prejuízo do estado para beneficiar a sua empresa de telecomunicações Shin Corp.
Com apenas dois votos contra, os juízes aprovaram o confisco de activos bancários da família Shinawatra resultantes da venda da sua participação na Shin Corp. à empresa pública de Singapura Temasek Holdings Pte. em Janeiro de 2006.
Taksin, a sua ex-mulher e os filhos terão dificuldade em recuperar o remanescente da fortuna familiar, que poderá continuar congelado, pois enfrentam ainda outros processos, designadamente por evasão fiscal.
O ex-primeiro-ministro, que foi condenado depois de fugir para Londres a dois anos de prisão em Outubro de 2008 por conflito de interesses numa transacção imobiliária realizada pela sua mulher em 2003, só poderá requerer um novo julgamento se apresentar factos relevantes inéditos que levem o Tribunal a aceitar reabrir o caso.
A legitimação de um golpe
Excluída tal eventualidade o maior confisco jamais feito a um político tailandês serviu para legitimar o golpe militar que derrubou Taksin e confirmou a crescente intervenção do poder judicial na sequência de um apelo do rei Bhumibol Adulyadej em Abril de 2006 para os juízes dos tribunais administrativos e superiores despacharem com celeridade processos em julgamento de forma a ultrapassar o impasse político provocado pelas manifestações públicas contra o então primeiro-ministro.
A corrupção que mina a política tailandesa em todos os azimutes é, em regra, aceite, na medida em que não prejudique directamente terceiros e caso os detentores de cargos públicos consigam fazer prevalecer uma imagem de dedicação ao bem comum.
A condenação de Taksin visa precisamente pôr em causa a imagem de benfeitor atribuída ao antigo primeiro-ministro pelos seus apoiantes, sobretudo nas regiões mais pobres do Nordeste da Tailândia e entre os sectores rurais, que empregam quase metade da mão-de-obra.
O confisco de mais de metade da fortuna de Taksin segue-se, ainda, a uma série de condenações judiciais de aliados do antigo chefe do governo, à dissolução do seu partido Thai Tak Thai (Os Tailandeses amam os Tailandeses) em Maio de 2007, e, posteriormente, do Partido do Poder do Povo, que os seus apoiantes constituíram para disputar e vencer as eleições de Dezembro desse ano, mas que acabou também dissolvido depois de ser condenado por corrupção eleitoral.
Taksin enriqueceu em negócios de distribuição de material informático, iniciados no anos 80, quando ainda prosseguia uma carreira na polícia, onde chegou a tenente-coronel, e prosperou na área das telecomunicações até se tornar numa das maiores fortunas da Tailândia.
Vermelhos contra amarelos
A sua governação ficou marcada por medidas de combate à pobreza rural e valeu-lhe o ódio das alas mais conservadores dos militares e da burocracia do estado, que, apoiadas nas classes citadinas mais beneficiadas pelo crescimento da economia tailandesa a partir de meados da década de 80, conspiraram com o beneplácito de altas figuras da casa real para o afastamento de Taksin.
A aprovação no referendo de Agosto de 2007 de uma nova Constituição de recorte conservador não impediu o retorno dos apoiantes de Taksin ao poder, e as constantes manifestações e confrontos entre "camisas vermelhas", fiéis ao ex-governamente, e "camisas amarelas", do bloco conservador, redundaram num clima de instabilidade política.
A formação de um governo de coligação de direita liderado pelo Partido Democrático de Abhisit Vejjajiva, em Dezembro de 2008, confrontou-se com a oposição nas ruas dos "camisas vermelhas" da Frente Nacional Unida da Democracia contra a Ditadura e do Partido Pheu Thai (Partido Pelos Tailandeses), nova encarnação dos dissolvidos Thai Rak Thai e do Partido do Poder do Povo, congregando os apoiantes de Taksin que não estão proibidos de exercer actividades políticas.
Nem a nomeação de Taksin em Novembro do ano passado, como "conselheiro especial" do primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, tida pelos seus opositores como um crime lesa-pátria e altamente controversa dadas as tensões relações com a monarquia vizinha, demoveu os apoiantes de Taksin, que irão promover em meados deste mês novas manifestações exigindo uma amnistia e a convocação de eleições.
Aos 60 anos, Taksin, exilado no Dubai e privado de passaporte tailandês por alegadamente ter promovido as manifestações antigovernamentais que obrigaram ao cancelamento da cimeira da Associação das Nações do Sudeste Asiático em Pattaya em Abril do ano passado, só pode contar a partir de agora com algumas centenas de milhões de dólares que depositara no estrangeiro e joga tudo na vitória do seu partido nas eleições que terão de se realizar até ao final de 2001.
A sucessão real
A Frente Nacional Unida evolui, no entanto, para um movimento mais abrangente de contestação à tutela militar sobre a monarquia constitucional e poderá rapidamente ultrapassar os limites de uma agenda política marcada pelos interesses do ex-primeiro-ministro e do seu partido.
A principal incógnita da política tailandesa é, no entanto, a sucessão do rei Bhumibol.
Com 82 anos, e graves problemas de saúde, o monarca, no torno desde 1946, não tem herdeiro à altura de negociar os compromissos políticos que marcaram o seu reinado. O príncipe Vajiralongkorn ou a princesa Sirindhorn estão longe de gozar da veneração que rodeia o seu pai e, uma vez chegado o momento da sucessão, tudo ficará em aberto no reino do Sião.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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Os juízes ordenaram na passada sexta-feira o confisco de 46.370 milhões de bath (1.026 milhões de euros) do total de 76.600 milhões de bath (1.700 milhões de euros) em depósitos bancários congelados pelas autoridades em Junho de 2007.
Com apenas dois votos contra, os juízes aprovaram o confisco de activos bancários da família Shinawatra resultantes da venda da sua participação na Shin Corp. à empresa pública de Singapura Temasek Holdings Pte. em Janeiro de 2006.
Taksin, a sua ex-mulher e os filhos terão dificuldade em recuperar o remanescente da fortuna familiar, que poderá continuar congelado, pois enfrentam ainda outros processos, designadamente por evasão fiscal.
O ex-primeiro-ministro, que foi condenado depois de fugir para Londres a dois anos de prisão em Outubro de 2008 por conflito de interesses numa transacção imobiliária realizada pela sua mulher em 2003, só poderá requerer um novo julgamento se apresentar factos relevantes inéditos que levem o Tribunal a aceitar reabrir o caso.
A legitimação de um golpe
Excluída tal eventualidade o maior confisco jamais feito a um político tailandês serviu para legitimar o golpe militar que derrubou Taksin e confirmou a crescente intervenção do poder judicial na sequência de um apelo do rei Bhumibol Adulyadej em Abril de 2006 para os juízes dos tribunais administrativos e superiores despacharem com celeridade processos em julgamento de forma a ultrapassar o impasse político provocado pelas manifestações públicas contra o então primeiro-ministro.
A corrupção que mina a política tailandesa em todos os azimutes é, em regra, aceite, na medida em que não prejudique directamente terceiros e caso os detentores de cargos públicos consigam fazer prevalecer uma imagem de dedicação ao bem comum.
A condenação de Taksin visa precisamente pôr em causa a imagem de benfeitor atribuída ao antigo primeiro-ministro pelos seus apoiantes, sobretudo nas regiões mais pobres do Nordeste da Tailândia e entre os sectores rurais, que empregam quase metade da mão-de-obra.
O confisco de mais de metade da fortuna de Taksin segue-se, ainda, a uma série de condenações judiciais de aliados do antigo chefe do governo, à dissolução do seu partido Thai Tak Thai (Os Tailandeses amam os Tailandeses) em Maio de 2007, e, posteriormente, do Partido do Poder do Povo, que os seus apoiantes constituíram para disputar e vencer as eleições de Dezembro desse ano, mas que acabou também dissolvido depois de ser condenado por corrupção eleitoral.
Taksin enriqueceu em negócios de distribuição de material informático, iniciados no anos 80, quando ainda prosseguia uma carreira na polícia, onde chegou a tenente-coronel, e prosperou na área das telecomunicações até se tornar numa das maiores fortunas da Tailândia.
Vermelhos contra amarelos
A sua governação ficou marcada por medidas de combate à pobreza rural e valeu-lhe o ódio das alas mais conservadores dos militares e da burocracia do estado, que, apoiadas nas classes citadinas mais beneficiadas pelo crescimento da economia tailandesa a partir de meados da década de 80, conspiraram com o beneplácito de altas figuras da casa real para o afastamento de Taksin.
A aprovação no referendo de Agosto de 2007 de uma nova Constituição de recorte conservador não impediu o retorno dos apoiantes de Taksin ao poder, e as constantes manifestações e confrontos entre "camisas vermelhas", fiéis ao ex-governamente, e "camisas amarelas", do bloco conservador, redundaram num clima de instabilidade política.
A formação de um governo de coligação de direita liderado pelo Partido Democrático de Abhisit Vejjajiva, em Dezembro de 2008, confrontou-se com a oposição nas ruas dos "camisas vermelhas" da Frente Nacional Unida da Democracia contra a Ditadura e do Partido Pheu Thai (Partido Pelos Tailandeses), nova encarnação dos dissolvidos Thai Rak Thai e do Partido do Poder do Povo, congregando os apoiantes de Taksin que não estão proibidos de exercer actividades políticas.
Nem a nomeação de Taksin em Novembro do ano passado, como "conselheiro especial" do primeiro-ministro do Camboja, Hun Sen, tida pelos seus opositores como um crime lesa-pátria e altamente controversa dadas as tensões relações com a monarquia vizinha, demoveu os apoiantes de Taksin, que irão promover em meados deste mês novas manifestações exigindo uma amnistia e a convocação de eleições.
Aos 60 anos, Taksin, exilado no Dubai e privado de passaporte tailandês por alegadamente ter promovido as manifestações antigovernamentais que obrigaram ao cancelamento da cimeira da Associação das Nações do Sudeste Asiático em Pattaya em Abril do ano passado, só pode contar a partir de agora com algumas centenas de milhões de dólares que depositara no estrangeiro e joga tudo na vitória do seu partido nas eleições que terão de se realizar até ao final de 2001.
A sucessão real
A Frente Nacional Unida evolui, no entanto, para um movimento mais abrangente de contestação à tutela militar sobre a monarquia constitucional e poderá rapidamente ultrapassar os limites de uma agenda política marcada pelos interesses do ex-primeiro-ministro e do seu partido.
A principal incógnita da política tailandesa é, no entanto, a sucessão do rei Bhumibol.
Com 82 anos, e graves problemas de saúde, o monarca, no torno desde 1946, não tem herdeiro à altura de negociar os compromissos políticos que marcaram o seu reinado. O príncipe Vajiralongkorn ou a princesa Sirindhorn estão longe de gozar da veneração que rodeia o seu pai e, uma vez chegado o momento da sucessão, tudo ficará em aberto no reino do Sião.
Jornalista
barradas.joaocarlos@gmail.com
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