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27 de Fevereiro de 2004 às 13:56

O Carnaval é quando o futebol quiser

O país está a caminho da insolvência social, mas o Carnaval psicadélico ainda não contaminou todos os corpos. Embora “Lucy in the Sky with Diamonds” dos Beatles seja a banda sonora preferida de muita gente com responsabilidade no país.

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Em Portugal festeja-se o Carnaval quando chove. A alegria, assim, nunca poderá ser genuína, como no Brasil. Que comemora a festa de braço dado com o calor tórrido.

Nenhum Carnaval é verdadeiro quando as pessoas, vulgarmente chamamos de foliões, estão de casacos cinzentos, com frio e com um olhar de frete. O futebol, em Portugal, é o verdadeiro Carnaval, embora por vezes o delírio se estenda à política e à economia.

O único político a quem se permite o direito de sambar é o sr. Alberto João Jardim, mas isso compreende-se: o clima madeirense é ameno. Ninguém imaginaria o sr. Valentim Loureiro, o sr. Ferro Rodrigues ou mesmo o sra. Celeste Cardona a desfilar na escola Pinga Amor ou Unidos do Forró.

Isso motivaria o delírio de todas as televisões nacionais, que fizeram o seu Carnaval muito próprio em directo com o “salvamento” dos escuteiros na Serra da Estrela, que os mesmos desmentiram, também em directo, minutos depois.

O país está a caminho da insolvência social, mas o Carnaval psicadélico ainda não contaminou todos os corpos. Embora “Lucy in the Sky with Diamonds” dos Beatles seja a banda sonora preferida de muita gente com responsabilidades no país.

Num sítio onde os bombos da festa são ciclicamente os mesmos, o futebol é o sambódromo que sobra para os foliões que pouco mais têm para celebrar. Os dirigentes futebolísticos, treinadores, jogadores e árbitros, magnanimamente, ajudam a que todos tenham direito a uma migalha da esmola.

Vejamos: já que o sr. Mourinho ganha e, ainda assim, continua com o ar de quem parece que o mundo lhe deve a sua simples presença, alguém tem de criar condições para a festa. Até porque, como todo o treinador a quem o sr. Pinto da Costa renova o contrato por mais um par de anos, no final da temporada o sr. Mourinho deve libertar-se do seu compromisso moral e ir treinar para o estrangeiro.

Há aqui que dar a mão à palmatória e dizer que o Benfica também está a fazer grandes esforços no sentido de se tornar uma instituição com a tradição de fazer contratos eternos: depois do sr. João Vieira Pinto ter assinado um “contrato vitalício” e desaparecer logo a seguir, agora é a vez do sr. Simão assinar até 2010.

Para onde irá para o ano? Mas como foi Carnaval, ninguém levou a mal! Os treinadores do Benfica e do Sporting, ultimamente muito motivados em assegurar que o FC Porto festejasse a vitória no campeonato logo no Carnaval, têm também ajudado com tenacidade à festa.

O sr. Camacho antes do jogo com o Nacional tentou integrar-se no espírito folião e, para mostrar que o que tinha dito dias antes (que o importante era o segundo lugar na Superliga) era um convite a um samba adaptado ao bailinho da Madeira, mudou a defesa contra a equipa quemelhor ataca em casa.

O resultado foi uma ressaca de Carnaval ao som de alho-porro do S. João. O sr. Fernando Santos que, com a sua cara de poucos amigos, nunca se imagina que possa ser um folião em potência, também quis ajudar a que o Carnaval do sr. Pinto da Costa fosse um sucesso.

Assim, antes de empatar com o Gil Vicente, anunciou com pompa e circunstância que estava a lutar pelo título. Era Carnaval e também ninguém levou a mal! Portugal é um país de máscaras e de disfarces onde muitas pessoas passam a vida disfarçadas de distribuidores de jogo: a culpa é sempre do lado, daquele a quem passamos a bola.

É também um local paradisíaco onde estamos sempre dispostos à festa: dançando o fandango, fingindo que somos o país do samba, acreditando que somos a pátria do futebol ou, simplesmente, dando aulas de “vaudeville” facilitista. Portugal não é a “pátria em chuteiras”: é um sítio onde há uma “rave” que dura 365 dias.

O futebol ajuda a este desfile de dislates. Portugal é um carro alegórico, que se ri de simesmo. Até quando é poliglota. Um exemplo: o sr. Durão Barroso vai a Espanha e procura falar castelhano, enquanto o sr. Aznar vem a Portugal e não tenta falar português.

O sr. Carlos Queiroz, em Madrid, lá vai tentando dizer o que pensa em castelhano e o sr. Camacho ainda não diz, ou tenta dizer, uma palavra em português.

Portugal precisava de se levar um pouco mais a sério. Ou, pelo menos, fazer como o sr. Manuel Maria Carrilho: fotos da intimidade só em revistas cor-de-rosa escolhidas por si. No melhor espírito do “centralismo democrático”.

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