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Frederico Bastião 30 de Maio de 2008 às 13:59

O Candeeiro de Lavoisier

De há uns dias para cá que não se fala de outra coisa neste País que não seja de política de combustíveis. Aliás, não é só neste País; até o Presidente francês andou para aí a escrever uma missiva ao Presidente da Comissão Europeia, dizem as más-línguas que copiada da carta que o nosso Ministro da Economia terá enviado antes ao dito Presidente. Pois, pelos vistos pelo menos nisto de escrever cartas somos mais lestos que os outros.

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Relembram os mais “torcidos” que esta política de combustíveis não é novidade. Há alguns (poucos) anos atrás, aí pela viragem do milénio, muito se falou de política de combustíveis. Nessa altura o mote era que o Governo tinha congelado os preços dos combustíveis, o que foi muito criticado; agora o governo não congelou os preços e é isso que lhe é criticado. É caso para perguntar se esta coisa da política é isto: criticar primeiro e procurar a razão depois.

Mas, meus queridos leitores, não é desta mudança de humores e de pensamento económico dos portugueses – ou de alguns deles – que vos quero falar hoje, é de que este problema dos combustíveis não é de hoje, já nos ontem assaltado (assaltado é o termo, olhando para os preços a que temos que comprar gasolina e gasóleo) ao longo da História.

Descoberto (destilado) por Al-Razi no século IX, este árabe, como tantos outros dedicado ao ouro negro, inventou o candeeiro a querosene, mais tarde tão importante. Episódio negro da historia do século XVIII foi quando o preço deste combustível foi aumentado por ordem real, o que impediu Lavoisier de trabalhar à noite (ele não gostava de escrever à luz das velas ou da lua, comentando que não se chamava “Pierrot”) e lhe secou a veia criativa por falta de ideias luminosas em plena Época das Luzes.

Já no tempo de Aníbal (o outro, isto é, o do tempo dos romanos) Roma escapou aos cartagineses por, entre outras razões, falta de combustível para os elefantes. Estranhamente, nessa altura Aníbal não questionou a taxa de ISP. Uns anos mais tarde, na Turquia – e também inspirado na experiência romana – foram criados os banhos públicos e, em função do seu valor medicinal, também havia banhos de petróleo. Eram banhos públicos, o que explica uma tradição então criada: ser proibido fumar em locais públicos, e em particular nos banhos. Consta, aliás, que o grande incêndio nas banhos de Boingue, em 707 dC, se deveu a um grupo de incautos que resolveu “dar umas passas” quando estavam na piscina do petróleo e um grupo de distraídos a quem pediram autorização e lhes disseram que sim, que não fazia mal.

Outros exemplos há, ao longo da História que têm que ver com a importância dos combustíveis e, portanto, de querermos ou não taxá-los. Sem petróleo não se teria conseguido conquistar Lisboa, pois consta que a porta da cidade estava aberta quando as tropas portuguesas – Martim Moniz à cabeça – lá chegaram porque estava a ser oleada, com o dito, na altura. Mais, consta que depois da sua perda os árabes cunharam a expressão, erradamente atribuída a figura mais recente, “quero ver Lisboa a arder”. O curioso desta história é que eram os mouros que o diziam nessa altura, enquanto hoje em dia são os mouros que arderão no dia em que tal acontecer.

Mas também na ficção e nos mundos imaginários são abundantes os casos em que a importância do petróleo está documentada. Nos contos de Escárnia o troll P. Troll queria ser o presidente dos outros Trolls e dos Elfos e para esse fim lavava a roupa deles, embebendo-a em petróleo sem que eles disso se dessem conta e, nos seus comícios públicos, pegava-lhes fogo. Isso constitui, de acordo com o historiador Wem Cézomem a origem de algumas expressões hoje muito usadas como o “estás queimado” que ele gritava quando os via a arder e que ainda hoje é muito usada no mundo da política, tal como outra expressão hoje vulgarizada no mesmo meio que é a de estar a “lavar roupa suja”.

Que recomendação podemos então tirar da História, mais recente ou menos recente, que possa ajudar o nosso País e o nosso Primeiro-ministro quando tanta gente lhe pede que mexa nos combustíveis, ou melhor, no preço dos ditos? Em primeiro lugar, se é para mexer, que saiba muito bem o que é que quer fazer, porque senão queima-se. Em segundo lugar, e se quiser mesmo mexer, que faça o que tem a fazer duma vez e não ande com hesitações para a frente e para trás, ou para cima e para baixo. É que se em muitas alturas podemos ir aprendendo aos poucos e melhorando, aquilo que é normalmente chamado o “learning by doing”, isto na política dos combustíveis acaba sempre mal, sendo até é conhecido como o “learning by burning” – e quem arde sabemos todos quem é.

Frederico Bastião é Professor de Teoria Económica das Crises na Escola de Altos Estudos das Penhas Douradas. Quando lhe perguntámos se o Governo devia subir os combustíveis, Frederico respondeu: “Até minha casa, que moro no sétimo andar.”

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