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O Ano do Fim das Lamúrias

O futuro Governo não deve acelerar artificialmente a recuperação económica com recurso a investimento público ou outros incentivos à construção.

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Tenho o privilégio de escrever um texto que sairá na primeira semana de 2005.

As últimas semanas têm trazido algumas notícias negativas sobre a conjuntura económica portuguesa. Mas as más notícias escondem sempre oportunidades e razões de esperança e optimismo.

Este é o tom adequado para marcar o início do novo ano.

As notícias sobre o emprego nos sectores do calçado, do têxtil, do vestuário e da construção foram negativas. Mas estas más notícias são bem pequenas quando comparadas com a tragédia provocada pelo terramoto na Indonésia. Aí muitos não conseguirão retomar o seu modo de vida sem ajuda externa.

Não é essa porém a situação de Portugal. Não sofremos nenhuma tragédia e temos tido volumosa e continuada ajuda externa. Cabe-nos agora ajudarmo-nos a nós próprios e deixar de insistir na pedincha, na lamúria e na crítica fútil ao Estado que não ajuda.

As dificuldades nos sectores do calçado, do têxtil, do vestuário e da construção podem ser sintomas de transformações positivas importantes no tecido económico português e de efectiva mudança no modelo de desenvolvimento económico.

É conhecido que em Portugal existe um excesso de investimento em construção. Esse investimento excessivo resulta de um conjunto de factores: o elevado investimento público, a rigidez no mercado de arrendamento, a elevada percentagem de portugueses que possuem casa própria, e a crença na valorização perpétua do imobiliário.

Porém, o investimento em construção tem dois grandes inconvenientes. Em primeiro lugar os novos equipamentos imobilizados são muitas vezes pouco rentáveis e rígidos nas suas utilizações. Em segundo lugar estes investimentos contribuem pouco para atenuar o défice externo que continua a níveis demasiado elevados.

O futuro Governo não deve acelerar artificialmente a recuperação económica com recurso a investimento público ou outros incentivos à construção.

A correcção em curso, embora dolorosa para as empresas e trabalhadores do sector da construção é provavelmente benéfica para a economia portuguesa. Seria também útil que mais recursos financeiros e humanos afectos a este sector se especializassem mais em investimentos de manutenção e recuperação do activo imobiliário já existente.

Também as dificuldades nos sectores do calçado, têxtil e vestuário podem ter vários factores a explicá- las: a liberalização do sector têxtil, os custos salariais mais baixos em muitos dos países do alargamento, mas também de Marrocos China, Índia e outros países em desenvolvimento e a forte subida do Euro. Embora seja indesejável que a reestruturação nestes sectores ocorra numa altura em que a economia portuguesa se encontra em frágil recuperação, é sabido que com a melhoria do rendimento médio do trabalho em Portugal dois efeitos ocorrem em simultâneo. Por um lado as empresas não conseguem contratar a custos competitivos com os praticados em países commenores níveis de rendimento. Por outro lado os trabalhadores não estão disponíveis para trabalhar nas empresas destes sectores onde o rendimento é baixo e a sobrevivência das empresas menos competitivas é incerta.

Também aqui pode surgir a tentação por parte do futuro Governo de aliviar o sofrimento das empresas e trabalhadores com ajudas adicionais a sectores que irão encolher o seu peso na economia portuguesa.

Porém, ajudar empresas em dificuldades estruturais é normalmente uma má política. E Portugal já tem a funcionar políticas de protecção social desenhadas precisamente para lidar com o problema do desemprego, independentemente da sua origem.

As dificuldades nestes sectores podem constituir sintomas virtuosos. Por um lado, estão a sobreviver as empresas mais rentáveis e competitivas. Por outro lado, os recursos afectos a estes sectores estão a ser transferidos para outros sectores da economia. Por exemplo, os sectores do papel e da fabricação de material eléctrico e de óptica evidenciam um crescimento saudável nos últimos anos.

O próximo Governo não se deve arvorar emgrande estratega da economia portuguesa através de uma política industrial activa que distribua incentivos aos sectores predilectos dos decisores públicos. Os sectores que poderão vir a ter maior valor acrescentado como a biotecnologia, a nanotecnologia e as industrias ambientais devem ser observados com atenção. Porém, o Estado português não tem sido bom a escolher sectores económicos de actividade. Porque havia de o passar a ser a partir de 2005?

O ideal seria que as empresas portuguesas, de todos os sectores, enfrentassem o mesmo tipo de regras, impostos e incentivos. Acima de tudo é importante que as empresas de todos os sectores de actividade enfrentem concorrência principalmente através da livre entrada de novos concorrentes.

Se o novo Governo der mais liberdade económica às empresas e cidadãos e estimule mais concorrência talvez venhamos finalmente a corrigir os desequilíbrios estruturais da economia portuguesa. Talvez consigamos vir a equilibrar o défice externo. E talvez consigamos passar a ter grandes empresas exportadoras cotadas na bolsa portuguesa.

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