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O dilema do protecionismo comercial

A UE prende-se num impasse entre agir atempadamente (através de barreiras comerciais), para evitar danos estruturais ao seu mercado interno, e a permissão de distorções temporárias no mercado interno enquanto procura alcançar um acordo comercial com a China.

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Após a 2.ª Guerra Mundial, a criação da GATT (1947) e a concretização do Plano Schuman (1950) constituíram dois marcos históricos na dinamização do comércio internacional, tendo iniciado o processo de integração da atual União Europeia (UE).

O principal pilar que motivou a criação destas duas organizações foi a circulação de bens num mercado mais integrado (à luz das vantagens comparativas de Adam Smith), para que mais pessoas pudessem beneficiar de mais recursos a menor custo, isto é, mais eficientes. Para a sua prossecução, eliminar barreiras protecionistas foi crucial, pelo que a redução das tarifas sobre os bens transacionáveis revelou-se imprescindível. De facto, desde meados da década de 60, até à entrada do segundo milénio, a tarifa externa comum europeia passou de 17,5% para, aproximadamente, 5%.

No entanto, entre 2010 e 2022, o número de intervenções protecionistas – onde se incluem medidas “anti-dumping” e “contingent measures” – quintuplicou globalmente. O cenário não sofre tendências de desaceleração e a mais recente guerra comercial travada entre a UE e a China reflete inequivocamente este dado. Recentemente, a UE aprovou a aplicação de tarifas que poderão alcançar os 45% sobre o valor dos veículos elétricos importados da China, justificando a ação devido a práticas anticoncorrenciais chinesas, tais como a intensificação da atribuição de subsídios, a concessão de crédito facilitado e a concessão de matérias-primas a um preço inferior ao preço de mercado às empresas produtoras chinesas – conhecido como “dumping”.

Mediante este cenário, a UE encontra-se numa dualidade de interesses do ponto de vista microeconómico, dado que o aumento das tarifas sobre os automóveis produz dois efeitos imediatos no mercado interno europeu. Por um lado, o aumento das tarifas aumenta a receita marginal para as quantidades anteriormente importadas. Por outro, perde-se a possibilidade de obter veículos elétricos por um preço mais acessível no mercado externo. Desta forma, o resultado líquido destes efeitos poderá ser negativo, podendo resultar na diminuição de receitas para a UE.

Numa ótica de curto prazo, apurar a magnitude destes dois efeitos é imprescindível para conferir se o objetivo protecionista da UE foi cumprido, contudo, a sua avaliação é difícil. Em primeiro lugar, a UE procura taxar em função da marca e do nível de cooperação na partilha de informação com a UE, o que origina a aplicação de diferentes taxas ao mesmo bem, perturbando a “consumption smoothing”. Pela natureza do bem em questão, que possui diferentes categorias e diferentes preços associados, a reação dos consumidores à variação dos preços dependerá do montante da tarifa aplicada e das opções existentes no mercado automóvel europeu, deste modo, os efeitos produzidos serão difusos e incertos.

Todavia, os efeitos não se extinguem no curto prazo, dada a possibilidade de uma retaliação comercial chinesa. De acordo com o Governo chinês, tal ação abrangerá os principais setores de exportações europeias para a China: o setor automóvel, os laticínios, o brandy e a carne de porco. Estas medidas causam alarmismo, dado que um terço das vendas de marcas como Volkswagen, Mercedes-Benz e BMW tiveram como destino a China. Quanto aos restantes setores “mais elásticos” face à variação de preços, estes poderão vir a sofrer um impacto muito maior nas vendas e, consequentemente, na capacidade operacional.

Desta forma, a UE prende-se num impasse entre agir atempadamente (através de barreiras comerciais), para evitar danos estruturais ao seu mercado interno, e a permissão de distorções temporárias no mercado interno enquanto procura alcançar um acordo comercial com a China.

Perante o “retrocesso comercial” a nível mundial, em que a prática anticoncorrencial surge como arma política, a aplicação de barreiras comerciais bilaterais afeta negativamente consumidores e produtores, pelo que a via democrática das relações comerciais será essencial no estabelecimento da justiça não só económica, mas também social.

 

O cenário não sofre tendências de desaceleração e a mais recente guerra comercial travada entre a UE e a China reflete inequivocamente este dado.
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