Opinião
O caso Ryanair e o direito a compensação em caso de greve dos funcionários da companhia aérea
A Ryanair cancela voos esta semana afectando mais de 50.000 passageiros, mas terão estes direito a compensação em acréscimo aos reembolsos e / ou reagendamentos?
Esta semana será crítica para os passageiros aéreos, principalmente em Portugal e Espanha, pois, nos últimos dias, ficámos a saber que, devido a greves da tripulação de cabine, a Ryanair cancelou mais de 300 voos durante os próximos dias. Este é um número elevadíssimo, e que deverá afectar mais de 50.000 passageiros com voos já marcados.
Segundo as últimas noticias os cancelamentos incluirão até 50 dos mais de 180 voos diários operados pela Ryanair de/para Portugal, que representam 27%, até 200 voos diários de/para Espanha, até 50 voos diários de/para a Bélgica.
As greves de 48 horas da tripulação de cabine foram coordenadas na Bélgica, Portugal e Espanha para quarta-feira 25 e quinta-feira 26 de julho, e os cancelamentos serão uma reação da companhia a este cenário, o que tem gerado também reações fortes por parte dos sindicatos.
Poucas coisas são piores do que umas férias arruinadas, perder um voo ou ter um voo cancelado ou atrasado. Normalmente, os consumidores não têm ideia do que podem fazer nestes casos e dos direitos que lhes assistem de acordo com a legislação da UE.
"Se um voo for cancelado, o passageiro tem direito a reembolso, transporte alternativo ou regresso, além de assistência (o chamado "right of care") e direito a uma compensação. O artigo 8.º do Regulamento 261/2004 dispõe que as transportadoras aéreas têm a obrigação de oferecer aos passageiros uma escolha tripla, entre i) o reembolso do preço do bilhete e, em caso de voos sucessivos, um voo de regresso para o aeroporto de partida na primeira oportunidade, ii) o reencaminhamento para o seu destino final na primeira oportunidade ou iii) o reencaminhamento numa data posterior, da conveniência do passageiro, em condições de transporte equivalentes, sujeito à disponibilidade de lugares.
No que respeita à compensação, os passageiros terão direito a receber da transportadora aérea uma indemnização nos termos do artigo 7.º, salvo se, nos termos do artigo 5.º n.º 1 c) tiverem sido informados do cancelamento pelo menos duas semanas antes da hora programada de partida, ou tiverem sido informados do cancelamento entre duas semanas e sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até duas horas antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até quatro horas depois da hora programada de chegada, ou tiverem sido informados do cancelamento menos de sete dias antes da hora programada de partida e se lhes tiver sido oferecido reencaminhamento que lhes permitisse partir até uma hora antes da hora programada de partida e chegar ao destino final até duas horas depois da hora programada de chegada.
No entanto, as companhias aéreas não são obrigadas a pagar uma indemnização (artigo 5.º n.º 3) quando conseguem demonstrar que o cancelamento se deveu a circunstâncias extraordinárias. Nestes casos estamos a falar de, por exemplo, gestão do tráfego aéreo, instabilidade política, condições climáticas adversas e riscos de segurança.
A questão é se as greves do pessoal da própria empresa poderiam ser consideradas como circunstâncias extraordinárias e, do meu ponto de vista, não o podem ser. Esta conclusão é baseada na a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 17 de abril de 2018 (Helga Krüsemann e outros vs. TUIfly GmbH). Como regra geral, as companhias aéreas não são obrigadas a pagar uma compensação no caso das greves (funcionários do aeroporto ou controlo de tráfego aéreo) e essa interpretação às vezes quer-se estender às greves do pessoal da companhia aérea.
No entanto, na decisão que mencionei, o Tribunal Europeu decidiu que quando a equipa de uma companhia aérea entra em greve não estamos perante uma circunstância extraordinária, uma vez que é um evento inerente à operação de uma companhia aérea e também está sobre o seu controlo. Embora este caso tenha sido especificamente focado numa "greve selvagem" (ou "wildcat strike"), a interpretação poderá aplicar-se às outras greves do pessoal das companhias aéreas, uma vez que o Tribunal considerou que a reestruturação e reorganização de uma empresa faz parte da gestão normal desta e, no desenrolar da atividade das companhias aéreas é comum que surjam desacordos ou, até mesmo, conflitos entre aquelas e os membros de seu pessoal ou parte dele. Portanto, os riscos derivados das consequências sociais de tais medidas devem ser considerados inerentes ao exercício normal da atividade da companhia aérea em questão. Além disso, muitos destes eventos são, precisamente, normalmente despoletados por uma decisão dessa mesma companhia aérea contra a qual existem reações. Repare-se que neste caso estão em causa as condições salariais, o direito de usufruto de licenças de parentalidade, o fim dos processos disciplinares com base nas baixas médicas ou nos objetivos inerentes às vendas de bordo, como motivos por base. Em acréscimo, a decisão de cancelar é exclusiva da companhia. Ademais, segundo a velha máxima "quem pode o mais pode o menos" se nos casos de greves "wildcat" que estão muito mais "longe do controlo" da companhia o TJUE decidiu assim, a fortiori assim deverá ser nos outros casos.
Assim, de um ponto de vista da lei e da interpretação jurisprudencial, considero muito difícil o invocar, pelas companhias em causa, circunstâncias extraordinárias nas greves da próxima semana e negar aos passageiros a compensação devida e portanto, tirando os casos em que consigam cumprir com os n.º1 c) ou n.º 3 do artigo 5.º, o valor em causa terá de ser pago e muitos passageiros poderão conseguir usufruir daquele valor em acréscimo ao reembolso / reagendamento.
Advogado/Head of Legal em ClaimAir.com