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Opinião
03 de Julho de 2006 às 13:59

Memória de elefante

É uma crítica comum à Imprensa económica: ela não tem memória. Foi por isso que o Jornal de Negócios criou a rubrica «Há Um Ano», em que todas as segundas-feiras (e já lá vão mais de cem) comparamos as notícias publicadas na mesma semana do ano anterior e

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É uma espécie de cobrador de promessas, em que confrontamos os sujeitos das notícias com o que se comprometeram e prestamos contas do nosso trabalho aos leitores.

É frequente ver que o que foi noticiado não se concretizou. A fusão falhou, a expansão foi suspensa, a ameaça não passou disso, o plano não avançou. O «Há Um Ano» resulta, portanto, num exercício de humildade, instigando a «dúvida metódica» dos jornalistas e dos leitores. Desconfia-se e com razão. 

Vá até à página 12 da edição do Jornal de Negócios e leia o «Há Um Ano» de hoje. Em Julho de 2005, entrava em vigor a taxa de IVA de 21%, a lei das rendas avançava (já está aprovada), a Galp processava a Eni (o imbróglio foi resolvido no fim do ano) e a Allianz reforçava a aliança com o BPI (sendo hoje convidada pelo BCP a vender as suas acções). Mais: a têxtil Impetus negociava a compra de uma marca francesa (o negócio não foi fechado), o Verão aquecia com a extinção de 18 regimes especiais de aposentação na função pública (as greves foram inócuas, as Finanças avançaram mesmo com novas regras para médicos, enfermeiros, polícias e pessoal da Justiça), o ICEP aprovava um sonante «masterplan» para aumentar as nossas exportações já este ano em 6,5% (sem comentários...). Mas o tema que dominara a semana fora o acordo de empresa da General Motors na Azambuja. Há um ano, trabalhadores e administração enterraram o machado depois de meses de tensão. Os trabalhadores, recorde-se, abdicaram de condições retributivas, depois de uma intensa pressão na opinião publicada, que os vinha criticando pela cegueira de comprometer o futuro da fábrica (e o seu próprio) com egoísmos comezinhos. A comissão de trabalhadores (com os sindicatos na sombra, ao contrário do que se passou no famoso acordo na Autoeuropa) cedeu. Os ministros e os cronistas rejubilaram, aproveitando para sentenciar a vitória da razão económica sobre a obstinação dos sindicatos.

Tudo isto foi para nada. As cedências dos trabalhadores e a alegria semanal do ministro e dos editorialistas deram no encerramento da fábrica. Como escreve a jornalista Tânia Ferreira, são outros os acordos que hoje se assinam na Azambuja: de rescisão.

É esta a lição de humildade do «Há Um Ano» desta semana. A ameaça de deslocalização que pendia sobre as consciências dos trabalhadores concretizou-se apesar das suas resignações. É irrelevante agora dizer de quem é a culpa, mas é justo dizer que não é daqueles 1.200 novos desempregados. Talvez o único que até aqui tenha falado toda a verdade sobre o encerramento da fábrica da GM tenha sido Basílio Horta, que já não tem idade para deixar de dar opiniões, mesmo que elas incomodem na Horta Seca: «A GM é um caso típico de má gestão local.»

A responsabilidade é sempre da gestão. É ela que define estratégias, as executa e gere os recursos, incluindo as pessoas, incluindo os desmotivados e os incompetentes. Quando Jack Welch nos disse que devíamos ter vergonha pela imagem de Portugal no estrangeiro, foi também isso que quis dizer. Só que ninguém percebeu, porque os jornais citaram-no repetidamente mal: Welch não disse aquilo aos portugueses, mas sim ao punhado de presidentes das maiores empresas portuguesas que tinha à sua frente. A responsabilidade é dos líderes, dos que decidem, dos que gerem. O gáudio ou a vergonha também, disse Welch.

Welch tem razão. Basílio tem razão. 1.200 trabalhadores vão ficar desempregados. E ninguém aprende nada com isso.

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