Opinião
Mecenato empresarial: uma possibilidade
Em tempos de crise, há dois efeitos que reforçam a importância dos incentivos ao mecenato. Há menor disponibilidade para atribuir donativos e há maior necessidade dos eventuais beneficiários.
O regime fiscal dos donativos concedidos por pessoas colectivas foi concebido com o propósito de premiar e estimular as acções de mecenato empresarial e é actualmente um regime estabelecido e consolidado no Estatuto dos benefícios fiscais (EBF). Não obstante, a sua existência ganha particular relevo em face de uma conjuntura económica delicada, como a atua.
Em tempos de crise, há dois efeitos que reforçam a importância da existência de incentivos ao mecenato empresarial: se, por um lado, há menos agentes com disponibilidade para atribuir donativos, por outro, há maior necessidade dos eventuais beneficiários em recebê-los.
Aclarada a pertinência do tema, debrucemo-nos agora sobre o regime propriamente dito. Para efeitos fiscais, configuram como donativos todas as entregas, em dinheiro ou em espécie, efectuadas sem contrapartidas às entidades enquadráveis no EBF que exerçam actividades de cariz predominantemente social, cultural, ambiental, educacional ou desportivo.
Comparativamente com o regime do mecenato de singulares, ao abrigo do qual, grosso modo, são dedutíveis à colecta do IRS 25% das importâncias atribuídas a título de donativos, com algumas restrições, e que contempla ainda o curioso mecanismo de consignação de 0,5% do imposto a entidades que constem da lista oficial de potenciais beneficiários, o regime de mecenato empresarial é relativamente mais complexo.
Ou será, pelo menos, diferente. Em IRC, a configuração do benefício já não se prende com a existência de uma dedução à colecta mas sim de uma aceitação e majoração do gasto. Para efeitos da determinação do lucro tributável das empresas, os donativos atribuídos poderão, mediante o cumprimento de certos requisitos, ser aceites e majorados, isto é, considerados como gasto do período em montante superior a 100% do seu custo efectivo.
O valor da majoração, esse, poderá oscilar entre os 120% e os 150%, dependendo do tipo da entidade donatária. O EBF distingue, indirectamente, cinco grupos de entidades: o sector público nas suas mais diversas formas; as entidades que prossigam fins de caridade e de solidariedade social; as entidades que desenvolvam actividades de cariz predominantemente cultural, desportivo, educacional ou ambiental; os organismos associativos; e as fundações reconhecidas. Nalguns casos, dentro do mesmo grupo de entidades, o diploma faz nova destrinça de acordo com o fim a que se destina o donativo.
Em termos gerais, o regime é simpático e as majorações atractivas, mas existem obviamente limites. As majorações, excepto as que tenham por objecto donativos atribuídos ao sector público (e a fundações privadas, sendo que neste caso a questão não se coloca, porque o donativo está sujeito a reconhecimento a efectuar por despacho ministerial), não podem exceder uma dada percentagem do volume de negócios da entidade doadora: 0,1%, 0,6% ou 0,8%, dependendo do grupo em que as entidades beneficiárias se inserem.
A propósito de entidades beneficiárias, existem ainda algumas obrigações a serem cumpridas por estas, de modo a permitir a qualificação do donativo para o benefício fiscal, de entre as quais se destacam a entrega anual à DGCI de uma declaração oficial com o detalhe dos donativos recebidos e a emissão de um documento, a entregar ao mecenas, que comprove a recepção do donativo e que tenha a indicação do montante recebido, a menção de que o donativo foi atribuído sem contrapartidas e o enquadramento no âmbito do EBF.
Na prática, o regime tem funcionado bem e o único senão é mesmo a dificuldade em ir encontrando documentos comprovativos de entidades beneficiárias que cumpram todos os requisitos legais.
Globalmente pode dizer-se que estamos perante um bom instrumento, ainda que de impacto obviamente limitado, de política social. Sem ele, o Estado teria provavelmente outro tipo de encargos para subsidiar estas entidades; assim, fá-lo de forma camuflada, dividindo o fardo e aliviando a carga fiscal sobre os mecenas. Um pequeno sucesso, portanto.
Tome nota
1. O regime que incentiva o mecenato empresarial torna-se ainda mais relevante perante a conjuntura atual: há menos disponibilidade dos mecenas e mais necessidade dos beneficiários.
2. Fiscalmente, um donativo é qualquer entrega em dinheiro ou em espécie efetuada, sem contrapartidas, às entidades enquadráveis no EBF.
3. Em IRC, o benefício fiscal concedido não se materializa numa dedução à coleta, mas numa aceitação e majoração do custo (para cálculo do lucro tributável dos mecenas, o custo do donativo é considerado em 120%-150%, e não a 100%), com limites.
4. As entidades beneficiárias são de cariz predominantemente social, cultural, ambiental, educacional ou desportivo.
5. Existem algumas obrigações para as entidades beneficiárias, nomeadamente declarativas e informativas.
6. O regime funciona e descentraliza encargos de financiamento destas entidades.
Carla Pascoal
carla.pascoal@pt.pwc.com
David Rodrigues
david.gregorio.rodrigues@pt.pwc.com
Em tempos de crise, há dois efeitos que reforçam a importância da existência de incentivos ao mecenato empresarial: se, por um lado, há menos agentes com disponibilidade para atribuir donativos, por outro, há maior necessidade dos eventuais beneficiários em recebê-los.
Comparativamente com o regime do mecenato de singulares, ao abrigo do qual, grosso modo, são dedutíveis à colecta do IRS 25% das importâncias atribuídas a título de donativos, com algumas restrições, e que contempla ainda o curioso mecanismo de consignação de 0,5% do imposto a entidades que constem da lista oficial de potenciais beneficiários, o regime de mecenato empresarial é relativamente mais complexo.
Ou será, pelo menos, diferente. Em IRC, a configuração do benefício já não se prende com a existência de uma dedução à colecta mas sim de uma aceitação e majoração do gasto. Para efeitos da determinação do lucro tributável das empresas, os donativos atribuídos poderão, mediante o cumprimento de certos requisitos, ser aceites e majorados, isto é, considerados como gasto do período em montante superior a 100% do seu custo efectivo.
O valor da majoração, esse, poderá oscilar entre os 120% e os 150%, dependendo do tipo da entidade donatária. O EBF distingue, indirectamente, cinco grupos de entidades: o sector público nas suas mais diversas formas; as entidades que prossigam fins de caridade e de solidariedade social; as entidades que desenvolvam actividades de cariz predominantemente cultural, desportivo, educacional ou ambiental; os organismos associativos; e as fundações reconhecidas. Nalguns casos, dentro do mesmo grupo de entidades, o diploma faz nova destrinça de acordo com o fim a que se destina o donativo.
Em termos gerais, o regime é simpático e as majorações atractivas, mas existem obviamente limites. As majorações, excepto as que tenham por objecto donativos atribuídos ao sector público (e a fundações privadas, sendo que neste caso a questão não se coloca, porque o donativo está sujeito a reconhecimento a efectuar por despacho ministerial), não podem exceder uma dada percentagem do volume de negócios da entidade doadora: 0,1%, 0,6% ou 0,8%, dependendo do grupo em que as entidades beneficiárias se inserem.
A propósito de entidades beneficiárias, existem ainda algumas obrigações a serem cumpridas por estas, de modo a permitir a qualificação do donativo para o benefício fiscal, de entre as quais se destacam a entrega anual à DGCI de uma declaração oficial com o detalhe dos donativos recebidos e a emissão de um documento, a entregar ao mecenas, que comprove a recepção do donativo e que tenha a indicação do montante recebido, a menção de que o donativo foi atribuído sem contrapartidas e o enquadramento no âmbito do EBF.
Na prática, o regime tem funcionado bem e o único senão é mesmo a dificuldade em ir encontrando documentos comprovativos de entidades beneficiárias que cumpram todos os requisitos legais.
Globalmente pode dizer-se que estamos perante um bom instrumento, ainda que de impacto obviamente limitado, de política social. Sem ele, o Estado teria provavelmente outro tipo de encargos para subsidiar estas entidades; assim, fá-lo de forma camuflada, dividindo o fardo e aliviando a carga fiscal sobre os mecenas. Um pequeno sucesso, portanto.
Tome nota
1. O regime que incentiva o mecenato empresarial torna-se ainda mais relevante perante a conjuntura atual: há menos disponibilidade dos mecenas e mais necessidade dos beneficiários.
2. Fiscalmente, um donativo é qualquer entrega em dinheiro ou em espécie efetuada, sem contrapartidas, às entidades enquadráveis no EBF.
3. Em IRC, o benefício fiscal concedido não se materializa numa dedução à coleta, mas numa aceitação e majoração do custo (para cálculo do lucro tributável dos mecenas, o custo do donativo é considerado em 120%-150%, e não a 100%), com limites.
4. As entidades beneficiárias são de cariz predominantemente social, cultural, ambiental, educacional ou desportivo.
5. Existem algumas obrigações para as entidades beneficiárias, nomeadamente declarativas e informativas.
6. O regime funciona e descentraliza encargos de financiamento destas entidades.
Carla Pascoal
carla.pascoal@pt.pwc.com
David Rodrigues
david.gregorio.rodrigues@pt.pwc.com
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28.06.2012