Opinião
Maus e bons negócios
Ao trocar um centro de juventude e contracultura por uma igreja de uma seita cristã, a cidade de Copenhaga acaba de fazer um péssimo negócio. É que se por um lado estes religiosos em nada irão contribuir para a competitividade da cidade, pelo contrário, o
É que se por um lado estes religiosos em nada irão contribuir para a competitividade da cidade, pelo contrário, os agora tão difamados e expulsos jovens enraivecidos, representam aquela componente alternativa e irreverente imprescindível em qualquer cidade que se queira criativa e dinâmica.
Não se trata de mera opinião ou gosto. Os estudos estão feitos. A rebeldia está intimamente ligada à capacidade de gerar inovação. Enquanto a falta dela leva à estagnação social, cultural e económica. O título de um dos recentes textos de Richard Florida, o guru da nova economia criativa, é elucidativo a este propósito: "porque é que as cidades que não têm "gays" nem bandas rock estão a perder competitividade económica?" De facto, isto anda tudo ligado como dizia o poeta. Uma cidade onde o talento não é reconhecido e a tolerância não seja predominante tem pouca capacidade de produzir inovação cultural e económica, por maior vontade que os poderes públicos tenham em a promover. A criatividade não se gera por decreto. Precisa de toda a liberdade, muita irreverência e uma forte interacção com o conhecimento e a diversidade cultural. É nesse sentido que os estudos sobre as economias criativas consideram a criação de centros de cultura alternativa como uma das componentes fundamentais das novas políticas para as cidades. Normalmente através da cedência a grupos informais de prédios abandonados ou velhas instalações fabris tornadas obsoletas. Como afirma Jane Jacobs: "Novas ideias precisam de edifícios velhos." Pois é aí, no meio de alguma balbúrdia e intensa troca de experiências, que a inovação pode mais facilmente emergir.
Por cá, exceptuando os casos da ZDB no Bairro Alto em Lisboa ou os Maus Hábitos na Baixa do Porto, praticamente não existem espaços de contracultura. E muito menos se conhecem experiências onde a criatividade encontre o conhecimento e a iniciativa empresarial. Talvez por isso Portugal figure num modesto 35º lugar em 45 países analisados num estudo publicado no mais recente livro de Florida.
Não é coisa que se tenha descoberto agora, mas é cada vez mais claro que num contexto de globalização onde os países perdem autonomia e soberania, são as cidades que se transformam no centro da actividade cultural e económica. A competição entre cidades é evidente nos Estados Unidos e na Europa. São elas e não já os países que atraem gente e investimentos. O tempo das grandes indústrias, muito pesadas, ambientalmente catastróficas e humanamente penosas, vai dando lugar a uma nova economia baseada na criação de novas ideias, usos e produtos. Toda esta actividade necessita de ser alimentada com uma cultura do novo, comportamentos heterodoxos e um fácil e veloz acesso a conhecimentos e tecnologias. Só as cidades que consigam gerar um ambiente propício poderão atrair o talento dos mais audazes e criativos. E só elas estarão em condições de produzir a economia do século XXI.
Neste panorama, Portugal tem muitas desvantagens e algumas vantagens. No capítulo das desvantagens encontram-se a excessiva uniformidade cultural, o desprezo pelo talento individual, o arcaísmo das políticas urbanas, a intolerância face aos outros, em particular aos imigrantes, e um excessivo formalismo nas relações humanas e profissionais. Neste sentido, basta ver como a farda do fato e gravata ainda é dominante num universo político e empresarial dominado pelos homens cinzentos. Das poucas vantagens pode considerar-se algo que para muitos é negativo, ou seja, a desertificação do interior e a corrida para as cidades. Na verdade, este movimento que é natural tem vindo a criar a condição mínima para que uma cidade se possa afirmar e tornar competitiva. Ou seja, ter gente em número suficiente e uma população jovem capaz de injectar rebeldia, ambição e novas ideias no espaço urbano.
Apesar disso, a chamada Classe Criativa, para manter a referência ao trabalho de Florida, tem ainda uma fraca expressão entre nós. Segundo o citado estudo corresponde a cerca de 14% da população activa, o que nos coloca em 32º lugar em 38 países analisados. É pouco. A Irlanda tem 33% e a vizinha Espanha 20%. Aumentar esse número implicaria uma mudança de mentalidades que não se consegue de um dia para o outro. Mas algumas coisas podem ser feitas de imediato. Por exemplo, enquanto na Dinamarca se despejam centros de juventude, por cá alguns autarcas bem poderiam considerar ceder alguns dos velhos edifícios nos centros das suas cidades, de momento sem outra utilidade do que servir a especulação imobiliária, a grupos de jovens para aí desenvolveram os seus projectos, ouvirem a sua música, fazerem a sua arte e "design" e criarem pequenas empresas inovadoras. Não teria custos e desde que bem negociado, pelo menos com uma seriedade que objectivamente faltou na Câmara de Copenhaga, não seria difícil evitar as tristes cenas que nos chegaram do Reino da Dinamarca. Mas acima de tudo poderia vir a revelar-se um excelente negócio para a cidade que tomasse uma tal iniciativa.