Opinião
Manuel António Pina, o ágil gato das palavras
Manuel António Pina vivia cercado de gatos. Procurava os vadios, os outros ocupavam a sua casa. A sua escrita, desde logo a poesia, sempre as crónicas no Jornal de Notícias, eram uma cama de gatos: um jogo perpétuo onde se fazia sempre diferentes figuras com o novelo da vida.
As palavras eram nervosas e ágeis, reflectidas e cultas, certeiras e humoradas. E humildes, como ele. Eram o ronrom e o arranhar. Fialho de Almeida, em "Os Gatos", escreveu: "Deus fez o homem à sua imagem e semelhança, e fez o crítico à semelhança do gato". Lembro Fialho porque ele foi a inspiração primeira do Pulo do Gato nesta última página do Negócios.
Ou segunda, porque os "Os Dias de Amanhã", de Victor Cunha Rego, sempre foram uma referência. Manuel António Pina também teve o felino instinto destas últimas páginas e, vezes sem conta, bebi as suas palavras como o olhar atento de um gato. As suas crónicas iluminadas na última página do Jornal de Notícias eram como um ponto final. Um olhar ora fixo, ora irrequieto. Era um nómada no jornalismo de hoje, preso aos gestos de amor, às armadilhas da ironia, ao mistério das emoções. Ao longo dos anos, Manuel António Pina foi um farol da crónica pequena (mas nunca pequena crónica), que se moveu como um alvo sempre em movimento, género que outros, como João Paulo Guerra ou Ferreira Fernandes, também aperfeiçoaram como se fosse um rio que não recusa nenhum mar. As páginas de jornais, o mundo das crónicas, ficam agora com um défice colossal. E uma dívida ao passado que nunca conseguirão pagar.
Manuel António Pina dizia que tinha medo de ter medo. Mas não temia, como os gatos.
Tinha uma curiosidade infinita, como todos eles. Tinha a paciência de um gato antes de escrever a definitiva palavra. As suas crónicas era elegantes e mordazes. Essa capacidade cada vez mais fugaz para descrever um Portugal que tem de ser conhecido aos pedaços e, talvez, ser consertado aos pedaços. A realidade conseguia doer através dos seus olhos felinos, sentado, enfrentando o declínio de um país que descreveu na sua poesia, impressão digital desse olhar único que emprestava às palavras. O Prémio Camões mereceu-o por tudo o que deixou a Portugal. A perspectiva viva, humorada e culta de Manuel António Pina deixou-nos. Fica a memória. Fica a poesia.
Fica a faltar a luz das crónicas na última página, que escreveu como mais ninguém.
O título do seu primeiro livro de poesia parecia pressentir tudo isso: "Ainda não é o fim nem o princípio do Mundo, calma é apenas um pouco tarde". Adeus. Os gatos vão sentir-se sozinhos.
Ou segunda, porque os "Os Dias de Amanhã", de Victor Cunha Rego, sempre foram uma referência. Manuel António Pina também teve o felino instinto destas últimas páginas e, vezes sem conta, bebi as suas palavras como o olhar atento de um gato. As suas crónicas iluminadas na última página do Jornal de Notícias eram como um ponto final. Um olhar ora fixo, ora irrequieto. Era um nómada no jornalismo de hoje, preso aos gestos de amor, às armadilhas da ironia, ao mistério das emoções. Ao longo dos anos, Manuel António Pina foi um farol da crónica pequena (mas nunca pequena crónica), que se moveu como um alvo sempre em movimento, género que outros, como João Paulo Guerra ou Ferreira Fernandes, também aperfeiçoaram como se fosse um rio que não recusa nenhum mar. As páginas de jornais, o mundo das crónicas, ficam agora com um défice colossal. E uma dívida ao passado que nunca conseguirão pagar.
Tinha uma curiosidade infinita, como todos eles. Tinha a paciência de um gato antes de escrever a definitiva palavra. As suas crónicas era elegantes e mordazes. Essa capacidade cada vez mais fugaz para descrever um Portugal que tem de ser conhecido aos pedaços e, talvez, ser consertado aos pedaços. A realidade conseguia doer através dos seus olhos felinos, sentado, enfrentando o declínio de um país que descreveu na sua poesia, impressão digital desse olhar único que emprestava às palavras. O Prémio Camões mereceu-o por tudo o que deixou a Portugal. A perspectiva viva, humorada e culta de Manuel António Pina deixou-nos. Fica a memória. Fica a poesia.
Fica a faltar a luz das crónicas na última página, que escreveu como mais ninguém.
O título do seu primeiro livro de poesia parecia pressentir tudo isso: "Ainda não é o fim nem o princípio do Mundo, calma é apenas um pouco tarde". Adeus. Os gatos vão sentir-se sozinhos.
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