Opinião
Informar é muito perigoso
Julian Assange entregou-se às autoridades inglesas, e os Estados Unidos manifestaram, de imediato
Julian Assange entregou-se às autoridades inglesas, e os Estados Unidos manifestaram, de imediato, um contentamento um pouco pacóvio. Assange, australiano, fundador do WikiLeaks, revelou, através de um “site”, montes e montes de documentos, que põem em causa a seriedade e a decência, não só dos meios diplomáticos, mas, sobretudo, dos governos, especialmente dos governos norte-americanos.
Assange fez o que a Imprensa deveria ter feito. Acontece um porém: ele não procede à triagem ou à selecção dos documentos; essa tarefa é-nos atribuída, com a responsabilidade que acarreta. A questão talvez resida aí. Mas, pergunta-se: um jornalista, pelo facto de o ser, está acima do que se entende ser a cidadania do comum dos mortais?
A montanha impressionante de informação, pela quantidade e qualidade, é de molde a fazer estremecer os governantes de actuam na perversidade da sombra e do silêncio, preferindo a omissão, a trapalhice e a indignidade à transparência e à clareza que são atributos da democracia. Mas, na verdade, onde paira a democracia? Que nação do mundo pode arrogar-se à exemplaridade de ser “democrática”?
Através daqueles testemunhos ficámos a saber que George Bush, pai e filho, são criminosos de guerra, culpados de medonhas atrocidades e de cometimentos políticos que não deixam os céus sossegados. Sabia-se, clara ou vagamente, do sucedido no Irão e no Iraque; das negociatas dos sinistros Rumsfeld e Cheney, cujas mãos estão encharcadas de sangue. Mas a natureza minuciosa dos seus crimes estava mergulhada nesse aluvião de mentiras e de omissão com que as Administrações nos EUA articulam e escoram as suas políticas.
A imoralidade faz parte do nosso universo consuetudinário. Já se sabia. Como já se admitia que a política é assim mesmo, sem rosto e sem vergonha. Porém, a riqueza de pormenores contida nas informações de Assange, as características descritas acerca de governantes, ministros, reis, rainhas e primeiros-ministros, aterra as almas mais sensíveis. É uma vistoria de ordem moral que os embaixadores fizeram, ou continuam a fazer, aos dirigentes dos países onde se encontram. Se há informações cuja importância é discutível, outras fazem lembrar as dos tempos de John Edgar Hoover, o todo-poderoso chefe do FBI, que chantageou, ameaçou e obrigou ao exílio ou ao suicídio centenas, senão milhares, de norte-americanos. É essa prática doentia e inquietante que parece não ter sido extirpada do corpo político da sociedade dos Estados Unidos.
O caso da WikiLeaks merecia um estudo cuidado dessas escolas de “comunicação social”, que têm sido viveiros de limitações, de regras apertadas, sem fins úteis à vista. E a detenção do australiano tem passado em silêncio. Acusado de crime de abuso sexual, está na cara que a perseguição, o acosso e a prisão de Assange configura uma vingança e esclarece o poder de certas potências. É claro que a proposta do Kremlin, em favorecer uma proposta para que Julian Assange seja candidato ao Nobel, é tão absurda, tão ridícula e tão infantil como o cerco e a prisão de que ele foi vítima.
O australiano é acusado de quê? De pôr em risco a segurança mundial e de facilitar a vida ao terrorismo? Sejamos sérios. E nem o encarceramento de Assange faz terminar as funções para que o WikiLeaks foi criado. Aliás, o próprio Assange já disse que a informação vai prosseguir, e que nada nem nenhum poder, político ou outro, conseguirá amordaçar a verdade dos factos. Caluniado, insultado, ameaçado de morte e de sevícias, Julian Assange não deixa de protestar as suas convicções morais. E, convém, não esquecer, que vai acontecer aos dirigentes de “The New York Times”, “The Guardian” ou “El Pais”, três dos mais conceituados jornais planetários, que publicaram as informações reveladas pelo australiano?
Informar é perigoso. Para alguns. E depende sempre da informação que se presta.
Falecimento de um homem de bem
Com 92 anos e uma vida rodeada de respeito e de honra, faleceu, há dias, Avellar Soeiro, o primeiro ‘public relations’ português, que conferiu à profissão os galões de dignidade e de prestígio de que a profissão necessitava. Nos anos de 60, estando ele no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, onde desempenhou nobilitantes tarefas, convidou-me e ao Daniel Filipe, a organizar um gabinete de Imprensa, que promovesse as Primeiras Jornadas Luso-Brasileiras de Engenharia Civil. O Daniel e eu estávamos em situação económica dificílima, acrescida, no meu caso, de me ter envolvido em acções políticas directas. Avellar Soeiro conhecia o caso. E contratou-nos. Devo dizer que o nosso trabalho, apoiado e estimulado por Avellar, constituiu um êxito muito grande. No decorrer dos anos via-o, ocasionalmente, nas Portas de Santo Antão, e trocávamos as palavras que a nossa amizade e a cordialidade que nos era própria exigiam e explicavam. Sentia, sempre e sempre, uma grande emoção ao vê-lo e ao conversá-lo.
Monárquico, culto, elegantíssimo de trato, também eu pressentia nele a estima com que me dignificava. Sem nunca fazer referência às minhas convicções e, naturalmente, nem eu às dele, recordávamos a amizade nascida em circunstâncias tão estranhas quanto adversas. Recordo, com emoção e orgulho, o homem de bem, o português exemplarmente raro e o querido amigo que perdi.
b.bastos@netcabo.pt
Assange fez o que a Imprensa deveria ter feito. Acontece um porém: ele não procede à triagem ou à selecção dos documentos; essa tarefa é-nos atribuída, com a responsabilidade que acarreta. A questão talvez resida aí. Mas, pergunta-se: um jornalista, pelo facto de o ser, está acima do que se entende ser a cidadania do comum dos mortais?
Através daqueles testemunhos ficámos a saber que George Bush, pai e filho, são criminosos de guerra, culpados de medonhas atrocidades e de cometimentos políticos que não deixam os céus sossegados. Sabia-se, clara ou vagamente, do sucedido no Irão e no Iraque; das negociatas dos sinistros Rumsfeld e Cheney, cujas mãos estão encharcadas de sangue. Mas a natureza minuciosa dos seus crimes estava mergulhada nesse aluvião de mentiras e de omissão com que as Administrações nos EUA articulam e escoram as suas políticas.
A imoralidade faz parte do nosso universo consuetudinário. Já se sabia. Como já se admitia que a política é assim mesmo, sem rosto e sem vergonha. Porém, a riqueza de pormenores contida nas informações de Assange, as características descritas acerca de governantes, ministros, reis, rainhas e primeiros-ministros, aterra as almas mais sensíveis. É uma vistoria de ordem moral que os embaixadores fizeram, ou continuam a fazer, aos dirigentes dos países onde se encontram. Se há informações cuja importância é discutível, outras fazem lembrar as dos tempos de John Edgar Hoover, o todo-poderoso chefe do FBI, que chantageou, ameaçou e obrigou ao exílio ou ao suicídio centenas, senão milhares, de norte-americanos. É essa prática doentia e inquietante que parece não ter sido extirpada do corpo político da sociedade dos Estados Unidos.
O caso da WikiLeaks merecia um estudo cuidado dessas escolas de “comunicação social”, que têm sido viveiros de limitações, de regras apertadas, sem fins úteis à vista. E a detenção do australiano tem passado em silêncio. Acusado de crime de abuso sexual, está na cara que a perseguição, o acosso e a prisão de Assange configura uma vingança e esclarece o poder de certas potências. É claro que a proposta do Kremlin, em favorecer uma proposta para que Julian Assange seja candidato ao Nobel, é tão absurda, tão ridícula e tão infantil como o cerco e a prisão de que ele foi vítima.
O australiano é acusado de quê? De pôr em risco a segurança mundial e de facilitar a vida ao terrorismo? Sejamos sérios. E nem o encarceramento de Assange faz terminar as funções para que o WikiLeaks foi criado. Aliás, o próprio Assange já disse que a informação vai prosseguir, e que nada nem nenhum poder, político ou outro, conseguirá amordaçar a verdade dos factos. Caluniado, insultado, ameaçado de morte e de sevícias, Julian Assange não deixa de protestar as suas convicções morais. E, convém, não esquecer, que vai acontecer aos dirigentes de “The New York Times”, “The Guardian” ou “El Pais”, três dos mais conceituados jornais planetários, que publicaram as informações reveladas pelo australiano?
Informar é perigoso. Para alguns. E depende sempre da informação que se presta.
Falecimento de um homem de bem
Com 92 anos e uma vida rodeada de respeito e de honra, faleceu, há dias, Avellar Soeiro, o primeiro ‘public relations’ português, que conferiu à profissão os galões de dignidade e de prestígio de que a profissão necessitava. Nos anos de 60, estando ele no Laboratório Nacional de Engenharia Civil, onde desempenhou nobilitantes tarefas, convidou-me e ao Daniel Filipe, a organizar um gabinete de Imprensa, que promovesse as Primeiras Jornadas Luso-Brasileiras de Engenharia Civil. O Daniel e eu estávamos em situação económica dificílima, acrescida, no meu caso, de me ter envolvido em acções políticas directas. Avellar Soeiro conhecia o caso. E contratou-nos. Devo dizer que o nosso trabalho, apoiado e estimulado por Avellar, constituiu um êxito muito grande. No decorrer dos anos via-o, ocasionalmente, nas Portas de Santo Antão, e trocávamos as palavras que a nossa amizade e a cordialidade que nos era própria exigiam e explicavam. Sentia, sempre e sempre, uma grande emoção ao vê-lo e ao conversá-lo.
Monárquico, culto, elegantíssimo de trato, também eu pressentia nele a estima com que me dignificava. Sem nunca fazer referência às minhas convicções e, naturalmente, nem eu às dele, recordávamos a amizade nascida em circunstâncias tão estranhas quanto adversas. Recordo, com emoção e orgulho, o homem de bem, o português exemplarmente raro e o querido amigo que perdi.
b.bastos@netcabo.pt
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