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India e Paquistão, as feridas que não saram

Não se espera que a crise evolua para uma confrontação convencional, como já aconteceu três vezes no passado.

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A atual crise nas relações indo-paquistanesas resultante dos recentes acontecimentos é mais uma iteração da convivência conturbada entre aqueles dois países desde as suas independências, em 1947. No 26 de fevereiro, a força aérea indiana atacou um alegado campo de treino do grupo jihadista Jaish-e-Mohammed, situado em Balakot, no Paquistão. A Índia retaliava assim contra um ataque suicida reivindicado por esse mesmo grupo, que no dia 14 de Fevereiro, em Pulwama (região de Caxemira controlada pela Índia), ceifou a vida a mais de 40 elementos das forças de segurança indianas, argumentando tratar-se de uma ação preventiva com o objetivo de desmantelar um ataque que se encontrava em preparação.

O ataque aéreo foi apenas uma entre várias medidas punitivas tomadas pelas autoridades indianas contra o Paquistão. Antes do ataque, a Índia retirou o estatuto de "nação mais favorecida" ao Paquistão, aumentou em 200% as taxas aduaneiras dos produtos importados daquele país, e reduziu o fluxo da água dos rios para o Paquistão.

A ação militar indiana só ocorreu após a condenação do ataque em Caxemira pelo Conselho de Segurança, resultado de uma iniciativa norte-americana. O apoio de John Bolton, o Conselheiro Nacional de Segurança, ao direito de autodefesa da Índia contra o terrorismo transfronteiriço, foi interpretado pelas autoridades indianas como uma luz verde para o ataque retaliatório. O acontecimento foi utilizado pelos EUA para se aproximarem ainda mais da Índia, coaptando-a como aliada contra o adversário comum: a China.

No seguimento da ação indiana do dia 26 de fevereiro, aviões paquistaneses e indianos confrontaram-se na zona de cessar-fogo. Foram abatidos dois aviões indianos que entraram no espaço aéreo paquistanês e os pilotos capturados. Por sua vez, a Índia alega ter abatido um avião paquistanês. Apesar disto, não se espera que a crise evolua para uma confrontação convencional, como já aconteceu três vezes no passado. Limitar-se-á a ações retaliatórias de objetivo limitado conjugadas com o exercício da diplomacia, em que ambas as partes procurarão a condenação do adversário. A acomodação de posições ocorrerá mais tarde ou mais cedo.

Haverá consequências imediatas desta crise. Fazendo valer a sua influência nos destinos do conflito no Afeganistão, as autoridades paquistanesas fizeram saber que quaisquer ações retaliatórias da Índia contra o país terão impacto nas negociações de paz, que o Paquistão está a organizar procurando sentar à mesma mesa norte- americanos e talibãs afegãos.

Estes eventos vieram demonstrar uma vez mais a persistente incapacidade do Paquistão em livrar-se de grupos terroristas no seu território. É uma praga responsável por dezenas de milhares de vidas. Enquanto que a maioria das forças políticas apoia a repressão destes grupos, o establishment de segurança tem uma ideia diferente. Enquanto reprime os grupos que considera uma ameaça à segurança do Estado, protege aqueles que considera "strategic assets".

Ambos os países gerem as suas hostilidades através do conflito no Afeganistão, tentando colocar em Cabul simpatizantes das suas causas. Enquanto a Índia procura ensanduichar o Paquistão entre governos hostis, o Paquistão tenta ganhar liberdade de ação e profundidade estratégica em caso de uma invasão indiana, recorrendo ao território afegão para organizar a resistência.

A hostilidade permanente entre os dois Estados resulta do modo atribulado como foi conduzida a partição da Índia inglesa pela potência reinante. Como sempre, prevaleceram os imperativos geoestratégicos das grandes potências. Era necessário criar um Estado tampão - o Paquistão - que impedisse a União Soviética de ter continuidade geográfica com a Índia, com quem mantinha relações amistosas. As sequelas estão aí para ficar. Este é mais um caso mal resolvido, como tantos outros que o Reino Unido nos legou e que temos em mãos para resolver.

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