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17 de Julho de 2012 às 23:30

Ideias órfãs

Desde a decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, "Citizens United", que proibiu o governo de restringir os gastos políticos independentes das corporações e sindicatos, as preocupações com a influência dos interesses empresariais sobre as eleições nos Estados Unidos têm vindo a crescer.

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Desde a decisão do Supremo Tribunal dos Estados Unidos, "Citizens United", que proibiu o governo de restringir os gastos políticos independentes das corporações e sindicatos, as preocupações com a influência dos interesses empresariais sobre as eleições nos Estados Unidos têm vindo a crescer. No entanto, as contribuições políticas são apenas uma das razões pela qual os interesses do mundo dos negócios têm tanto poder. Quando se trata de lóbi, o dinheiro não é tudo: as ideias têm uma grande influência também. Infelizmente, em vez de equilibrar o campo de jogo, a batalha de ideias pode distorcer a política dos Estados Unidos ainda mais a favor das grandes empresas.

A importância das ideias pode ver-se nas coisas mais simples. Às iniciativas legislativas destinadas a beneficiar eleitorados poderosos são geralmente dados nomes atractivos e enganosos. Por exemplo, a redução ou eliminação temporária de um imposto ("tax holiday") para repatriar lucros estrangeiros foi denominada de "lei para a criação de emprego nos Estados Unidos". É fácil promover uma lei que (supostamente) beneficia todas as pessoas da sociedade, e não só um pequeno grupo de membros privilegiados.

Mais importante, o lóbi das instituições de crédito imobiliário quase-governamentais Fannie Mae e Freddie Mac não teriam tido tanto sucesso sem a ideia de "sociedade de proprietários". Quem se oporia à ideia de transformar cada americano num proprietário? Essas ideias são politicamente perigosas precisamente por serem tão atractivas.

Se as ideias são como armas no lóbi, antes de criá-las e difundi-las é preciso avaliar as suas possíveis distorções no mercado. As novas ideias são como novas drogas. Enquanto alguns farmacologistas dedicam as suas vidas à descoberta da cura para o cancro, independentemente dos incentivos económicos, muitos são movidos pela esperança de obter uma patente lucrativa.

Mesmo que os investigadores sejam motivados apenas pelos motivos mais nobres, as suas necessidades de financiamento obrigam-nos a ter em conta a rentabilidade. É por isso que existem os chamados "medicamentos órfãos", com os quais não se obtêm os lucros suficientes porque são utilizados para curar doenças raras ou doenças (como a malária) que afectam pessoas que não podem pagá-los.

O processo de criação de novas ideias económicas (ou de novas provas sobre velhas ideias) não é muito distinto. Os investigadores não obtêm patentes, mas os seus estudos são citados, e conseguem reconhecimento e promoções. Enquanto alguns investigadores dedicam as suas vidas a encontrar a verdade, independentemente de qualquer benefício pessoal, muitos procuram a fama académica e o dinheiro que ela traz.

Mesmo que os investigadores sejam motivados apenas pelos motivos mais nobres, as suas necessidades de financiamento obrigam-nos a ter em conta a procura de ideias. E, se o financiamento não é a questão principal, o mecanismo de amplificação de uma ideia (a sua difusão final) depende, contudo, da sua atractividade para alguma actividade de lóbi.

Consideremos um grande investigador da minha área, Michael Jensen. Em 1990, foi co-autor de um trabalho sobre a remuneração dos executivos, onde argumentava que não estava suficientemente vinculada ao desempenho. Embora os autores tenham utilizado um valor de referência insustentável para determinar que a sensibilidade da remuneração ao desempenho era demasiado baixa, o artigo foi publicado numa das principais publicações económicas, amplamente discutida na Harvard Business Review, e é um dos trabalhos sobre economia mais citados. Quinze anos depois, Jensen escreveu um documento sobre os custos da excessiva sensibilidade da remuneração ao desempenho. O artigo foi publicado numa revista de menor importância e não foi muito citado. Porquê?

O sector empresarial recebeu muito favoravelmente o primeiro trabalho porque desviou a discussão sobre quanto ganham os executivos (um tema muito controverso) para a questão de como deveriam ser pagos (uma questão mais técnica e menos contenciosa). E uma vez que as empresas não podem fazer os executivos pagar do seu próprio bolso quando têm um mau desempenho, a mudança de enfoque acabou por justificar um aumento dos salários. Não houve amor semelhante pelo segundo trabalho, que continua a ser quase desconhecido apesar das importantes constatações. Jensen, que é um investigador de integridade e fama reconhecidas, é livre de abordar o tema a partir de pontos de vista opostos. No entanto, os resultados assimétricos em termos de citações dos dois artigos são uma advertência para os académicos mais jovens: se desejam progredir profissionalmente, a posição que devem adoptar é clara.

Do capital de risco às telecomunicações, da indústria da construção aos sindicatos de professores, há muita procura por evidências que aplaudam os benefícios destas indústrias e que justifiquem (implícita ou explicitamente) os subsídios públicos que recebem. Não há procura igualmente organizada e activa de provas de que estes subsídios causam distorções, são um desperdício de recursos e fazem com que as empresas sejam menos competitivas.

Aqui está, talvez, a maior ideia órfã: estar a favor do mercado não significa necessariamente estar a favor das empresas. Uma agenda favorável às empresas procura maximizar os lucros das empresas existentes; pelo contrário, uma agenda favorável ao mercado procura promover as melhores condições empresariais para todos. Quem beneficia com as provas de que uma indústria está demasiado concentrada, que as suas margens de lucro são demasiado elevadas e que os consumidores são roubados?

Tal como acontece com os medicamentos contra a malária, milhões de pessoas beneficiariam dessa ideia, mas a sua capacidade de pagar é limitada. E, sem dúvida, na maioria do que nós, economistas, escrevemos – e, mais importante ainda, naquilo que ensinamos nas escolas de negócios – é difícil dizer a diferença entre estar a favor do mercado e a favor das empresas. A luta contra o capitalismo de conivência começa nas salas de aulas e nós, professores, estamos inevitavelmente implicados. Se não somos parte da solução, somos parte do problema.

Project Syndicate, 2012.
www.project-syndicate.org

Tradução: Rita Faria

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