Opinião
Escolhas morais e actos pessoais
O escrutínio de 7 de Junho talvez esclareça alguns equívocos. Durão Barroso não tem a vitória garantida, apesar do apoio de três valentes "socialistas": Brown, Zapatero e, claro!, Sócrates. A Direita, que manda na Europa, através de...
O escrutínio de 7 de Junho talvez esclareça alguns equívocos. Durão Barroso não tem a vitória garantida, apesar do apoio de três valentes "socialistas": Brown, Zapatero e, claro!, Sócrates. A Direita, que manda na Europa, através de Bruxelas, torce o nariz quando ouve o nome. O homem tem sido a encarnação de tudo e a representação de nada. Não se apoia em convicções, nada fez que deixasse marca, segue a rosa dos ventos. E há quem lhe não perdoe o haver sido o mordomo da Cimeira da Guerra, nos Açores, quando Bush, Aznar e Blair decidiram bombardear o Iraque, enquanto Durão, numa esplanada, bebia um cafezinho.
A sagrada união, que funcionou para a carnificina, resultará, de novo, para a reeleição do português? Nada me move contra ele, a não ser a visão diferente que tenho das coisas e a concepção de carácter que aplico aos homens. Mas a circunstância de ele ter a minha nacionalidade, não obsta a que o não considere um inepto oportunista. Tudo o que ele defende e significa está nos antípodas do meu percurso e das minhas causas. O último "Le Nouvel Observateur" informa que "ninguém defende o presidente da Comissão Europeia", e não encontra grandes simpatias entre a maioria dos deputados. No entanto, os jogos de bastidores, os interesses dos grandes grupos ali dissimuladamente simbolizados dispõem de um poder capital.
A Imprensa portuguesa não diz, por ignorância ou ocultação, mas o dinamarquês Poul Nyrup Rasmussen, o belga Guy Verhofstadt e o italiano Mário Monti são outras das possibilidades. E com muito mais capacidade e íntegra competência do que Durão Barroso. Daniel Cohn-Bendit, o rosto célebre do Maio de 68, e, como Barroso, ex-maoísta, hoje esfuziantemente abraçado às aventuras do "mercado", não se cansa de martirizar o português, com qualificativos sulfúricos.
Aliás, lançou uma campanha, "Stop Barroso", na qual as acusações de inépcia se associam a ditos e a anedotas devastadores.
Os candidatos dos partidos portugueses não se cansam de tentar despertar os eleitores, para que a abstenção (prevista e previsível) não atinja valores escabrosos. Mas o pessoal está embaraçosamente desligado. E os candidatos, eles próprios, pouco ou nada de esforçam para que amemos uma Europa completamente desconhecida de muitos de nós. De nós e dos outros.
Os europeus ignoram tudo, ou quase, da história, da geografia, da cultura, das línguas do seu continente. Não temamos, caros compatriotas, as comparações: somos tão ou mais informados do que os outros. É penoso assistir a uma vulgar sabatina aplicada aos diferentes povos. Ninguém sabe nada de nada. Então, para que serve a Europa?
A questão (ou uma das questões) reside nesse busílis. Com um peso decisório muito reduzido e limitadíssima capacidade de impor as suas razões, a Europa é uma organização meramente económica, dirigida pelo eixo Berlim-Paris, com Berlusconi a fazer birras porque também quer mandar. O sistema aplicado, o neoliberalismo, causou uma hecatombe de resultados imprevisíveis, mas cujas parcelas são, já, inquietantes. A Europa não é o que desejavam fosse os seus "fundadores." É um território de operações para as grandes jogadas financeiras, para a "flexibilização" proletária, para as "deslocações", consoante dita o "mercado." A ideia generosa: uma Europa sem guerras, solidária, generosa e equitativa não passa de mito proposto à nossa candura - e não foi, unicamente, deturpada, foi espezinhada. O capitalismo predador, de que toda a gente fala e que pouca gente combate, sobre o qual escassamente se estuda e reflecte, campeia impante. O cortejo de misérias que consigo arrasta é quase inominável. E a Europa de Bruxelas é uma peculiar máscara do abandono e da servidão. Qual o poder de Bruxelas, ante esta impressionante ofensiva? Nenhum. A retórica não dispõe de energias nem de força para se impor ao ruído das castas vencedoras.
Nenhum destes problemas fulcrais suscitam grandes debates entre os candidatos a parlamentares europeus. O folclore da campanha, com distribuição de prendinhas, ou com a demagogia torpe de Paulo Portas, é nada, coisa nenhuma.
Claro que vou votar. Incrédulo, descrente, mas vou votar. Por exigência moral e por imposição de cultura. Levei metade da vida a defender e a pelejar por coisas tão aparentemente absurdas e inúteis como a liberdade de expressão, a liberdade de reunião, o direito ao voto e o dever de cidadania - que configuraria uma traição eu abstrair-me. Votarei sempre. Em desacordo ou em acordo. Reajo de igual modo quanto às decisões sindicais. Sou um dissidente; porém, se o sindicato decretar greve, lá estarei, na primeira linha, sem outro objectivo que não seja o de me representar na minha total liberdade.
Releio André Gorz, um dos grandes pensadores do nosso tempo: "Temos de fazer com as nossas forças entendam o seu imenso poder. E o poder reside nas nossas mais pequenas opções. Ser livre é uma escolha pessoal; mas, antes de tudo, é um acto moral."
A sagrada união, que funcionou para a carnificina, resultará, de novo, para a reeleição do português? Nada me move contra ele, a não ser a visão diferente que tenho das coisas e a concepção de carácter que aplico aos homens. Mas a circunstância de ele ter a minha nacionalidade, não obsta a que o não considere um inepto oportunista. Tudo o que ele defende e significa está nos antípodas do meu percurso e das minhas causas. O último "Le Nouvel Observateur" informa que "ninguém defende o presidente da Comissão Europeia", e não encontra grandes simpatias entre a maioria dos deputados. No entanto, os jogos de bastidores, os interesses dos grandes grupos ali dissimuladamente simbolizados dispõem de um poder capital.
Aliás, lançou uma campanha, "Stop Barroso", na qual as acusações de inépcia se associam a ditos e a anedotas devastadores.
Os candidatos dos partidos portugueses não se cansam de tentar despertar os eleitores, para que a abstenção (prevista e previsível) não atinja valores escabrosos. Mas o pessoal está embaraçosamente desligado. E os candidatos, eles próprios, pouco ou nada de esforçam para que amemos uma Europa completamente desconhecida de muitos de nós. De nós e dos outros.
Os europeus ignoram tudo, ou quase, da história, da geografia, da cultura, das línguas do seu continente. Não temamos, caros compatriotas, as comparações: somos tão ou mais informados do que os outros. É penoso assistir a uma vulgar sabatina aplicada aos diferentes povos. Ninguém sabe nada de nada. Então, para que serve a Europa?
A questão (ou uma das questões) reside nesse busílis. Com um peso decisório muito reduzido e limitadíssima capacidade de impor as suas razões, a Europa é uma organização meramente económica, dirigida pelo eixo Berlim-Paris, com Berlusconi a fazer birras porque também quer mandar. O sistema aplicado, o neoliberalismo, causou uma hecatombe de resultados imprevisíveis, mas cujas parcelas são, já, inquietantes. A Europa não é o que desejavam fosse os seus "fundadores." É um território de operações para as grandes jogadas financeiras, para a "flexibilização" proletária, para as "deslocações", consoante dita o "mercado." A ideia generosa: uma Europa sem guerras, solidária, generosa e equitativa não passa de mito proposto à nossa candura - e não foi, unicamente, deturpada, foi espezinhada. O capitalismo predador, de que toda a gente fala e que pouca gente combate, sobre o qual escassamente se estuda e reflecte, campeia impante. O cortejo de misérias que consigo arrasta é quase inominável. E a Europa de Bruxelas é uma peculiar máscara do abandono e da servidão. Qual o poder de Bruxelas, ante esta impressionante ofensiva? Nenhum. A retórica não dispõe de energias nem de força para se impor ao ruído das castas vencedoras.
Nenhum destes problemas fulcrais suscitam grandes debates entre os candidatos a parlamentares europeus. O folclore da campanha, com distribuição de prendinhas, ou com a demagogia torpe de Paulo Portas, é nada, coisa nenhuma.
Claro que vou votar. Incrédulo, descrente, mas vou votar. Por exigência moral e por imposição de cultura. Levei metade da vida a defender e a pelejar por coisas tão aparentemente absurdas e inúteis como a liberdade de expressão, a liberdade de reunião, o direito ao voto e o dever de cidadania - que configuraria uma traição eu abstrair-me. Votarei sempre. Em desacordo ou em acordo. Reajo de igual modo quanto às decisões sindicais. Sou um dissidente; porém, se o sindicato decretar greve, lá estarei, na primeira linha, sem outro objectivo que não seja o de me representar na minha total liberdade.
Releio André Gorz, um dos grandes pensadores do nosso tempo: "Temos de fazer com as nossas forças entendam o seu imenso poder. E o poder reside nas nossas mais pequenas opções. Ser livre é uma escolha pessoal; mas, antes de tudo, é um acto moral."
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