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25 de Novembro de 2011 às 11:45

Entre a ignorância, a leviandade e a infâmia

Os termos com que a comunicação social tem tratado o caso Duarte Lima merece ser ponderado.

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Os termos com que a comunicação social tem tratado o caso Duarte Lima merece ser ponderado. Poucas vezes o jornalismo português desceu tão baixo, sobretudo em televisão. O escândalo de uma bateria de repórteres ter montado arraiais à porta da casa daquele político, antes mesmo de a polícia ter chegado, para proceder a averiguações, põe de novo em causa o segredo de Justiça e o recato que a qualquer cidadão é devido, em circunstâncias semelhantes ou outras. Não se trata de jornalismo, diz mais respeito à chicana e ao "espectáculo." Ignoro o que se ensina e propõe nas assim chamadas escolas de comunicação. Porém, os resultados gerais são francamente deploráveis.

Ultrapassou-se os limites da ética e da moral profissionais. Vale tudo, inclusive a intrusão no privado e nos sentimentos. Quando o filho do dr. Duarte Lima foi visitá-lo às instalações da PJ, onde estava detido, as perguntas de "jornalistas" presentes atingiram as raias da infâmia. A visita que Pedro Lima fez ao pai, coincidente com o aniversário de este último, foi pretexto (péssimo pretexto) para a formulação das perguntas mais cretinas, grosseiras e insultuosas. Não vale a pena repeti-las. Mas vale a pena, isso sim, saber que atitudes tomaram os chefes de Redacção, os directores e outros responsáveis das televisões e dos jornais ante estas afrontosas manifestações de chavasquice.

No meu tempo, as coisas não eram melhores; pelo contrário. Enfrentávamos os humores dos coronéis da Censura, os constrangimentos de chefes (não de todos) e de patrões. Mas as exigências impostas pelos próprios embaraços criavam defesas, resistências e a noção de uma moral que se não compadecia com as circunstâncias. E não era preciso ser apoiante do regime ou ser do contra. Há exemplos que ilustram quem os praticou. Um deles, o de João Coito, meu querido a saudoso camarada e amigo, cuja integridade e honra eram lendárias, independentemente de ele ser salazarista - e, no meu caso, eu ser da resistência e da oposição.

Claro que as comparações, neste caso, podem ser interpretadas como abusivas, e não há paralelismo entre fascismo e democracia. Contudo, a vigilância do carácter era uma imposição moral antes mesmo de ser ideológica ou partidária. Os velhos e probos profissionais tarimbeiros sabiam, e ensinavam-nos, aos mais novos, que a Imprensa era uma actividade na qual, permanentemente, éramos postos à prova, e que havia limites inultrapassáveis.

O aparato circense, em torno da detenção do dr. Duarte Lima, não pode deixar de motivar-nos para todo o repúdio. E certos textos, publicados com extrema leviandade, acerca da vida pessoal do arguido, são de difícil qualificação. Estranho que nada nem ninguém responsável tenha vindo a público condenar e rejeitar a façanha. O pior é que esta "escola" está a fazer caminho, o que leva a considerar até onde chegará a Imprensa portuguesa. E não me assustam com o fantasma da liberdade de Imprensa. Já passei por tudo o que me possa assustar.

Há jornalistas que se julgam acima do bem e do mal, e a quem tudo é permitido. Não é de agora. O exercício da profissão, a beleza do trabalho, leva, por vezes, alguns a considerarem-se superiores ao comum dos mortais. Não são: são como os outros. A própria circunstância de viverem em voz alta deve colocá-los no plano da humildade. De contrário, arriscam-se a ser objecto de correctivos, por vezes violentos.

O que temos assistido, no caso vertentes, mas também em outros, por igual deprimentes, conduz ao descrédito, cada vez mais acentuado, da comunicação social no seu todo. A escrever uma notícia ensina-se ou aprende-se: o carácter, esse, decorre do que somos e fomos. E não há escola de comunicação social que consiga fazer de um tunante, de um biltre, um profissional honrado e um homem de bem.

Há anos, redactor do "Diário Popular", a tratar de uma notícia de julgamento, assisti a esta cena degradante. Um camarada meu, de outro jornal, perguntou à filha de uma mulher, condenada por assassinar o marido: "Então, como se sente?" A rapariga levantou a mão e pespegou-lhe uma valente bofetada. Serve, a historieta?

Apostila - Mudemos de assunto e regalemo-nos com a leitura de "O Romance do Gramático", de Ernesto Rodrigues, prodigiosa recriação, em matéria ficta, da vida de Fernão de Oliveira, autor da primeira gramática da língua portuguesa. Entre a verdade dos factos e a aventura da criação literária, Ernesto Rodrigues escreveu um livro notável, tal como um outro, "Torre de Dona Chama", que a natureza torcida de certos jornais e críticos fez correr para o limbo. Mas Ernesto Rodrigues, professor na Faculdade de Letras de Lisboa, é um espírito superior e um digno representante do que mais ilustre existe na cultura portuguesa, e pouco se lhe dá a prática de omissões ou rasuras. Basta começar a ler este belíssimo texto para nos apercebermos de que estamos perante um grande autor. W



b.bastos@netcabo.pt

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