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Dúvidas que o Simplex e o PRACE levantam

Na passada semana, o Governo apresentou o Programa Simplex e o Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE).

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O primeiro destina-se a desburocratizar e simplificar os procedimentos da máquina do Estado, de forma a facilitar a vida a todos os cidadãos. O slogan escolhido, de resto, não podia ser mais elucidativo: «Quanto mais simples melhor».

Já através do PRACE, o Governo tem o objectivo de reestruturar e reformar toda a Administração Pública, naquela que o Executivo qualificou como «a maior reestruturação da Administração Pública desde o 25 de Abril».

Julgo que não haverá ninguém que não aplauda com entusiasmo o anúncio de intenções destinadas quer a facilitar a relação da população em geral com a burocracia, quer a tornar mais eficientes as diversas estruturas e organismos públicos.

No entanto, se repararmos com alguma atenção em cada um destes dois programas, existem sinais que encerram algumas dúvidas e preocupações. Que procurarei elencar a seguir.

O Simplex é um programa composto por 333 medidas que visam a simplificação administrativa e legislativa. Ora, desde logo, só o simples facto de se tratar de 333 medidas (e não de 33, por exemplo), torna o acto de as elencar e conhecer fastidioso - e com bem menos impacto do que um número menor e de melhor apreensão pelos cidadãos em geral.

Como já atrás referi, é impossível não ser favorável ao fim anunciado de escrituras públicas, à simplificação dos processos de fusões e aquisições, ao fim das matrículas na mesma escola, à possibilidade de efectuar a candidatura e a matrícula no ensino superior por via electrónica, à marcação de consultas hospitalares a partir dos centros de saúde, à dispensa das licenças de construção para obras interiores, ou ao emblemático-mas-sem-dúvida-muito-útil acesso gratuito ao Diário da República electrónico por parte dos cidadãos.

Mas algumas destas medidas já eram conhecidas: tinham sido apresentadas por José Sócrates no debate mensal de Janeiro no Parlamento (as duas primeiras medidas da lista acima apresentada). E outras são repetidas vezes sem conta - o que, a não suceder, reduziria em muito as 333 medidas. Um exemplo? De acordo com uma análise do meu colega parlamentar Agostinho Branquinho, a eliminação da certidão do registo criminal é contada como medida no Simplex por 94 vezes: logo, só por esta via, as 333 medidas passariam a? 240!

E ainda no Simplex, que dizer das declarações de Maria Manuela Leitão Marques, a responsável da Unidade de Coordenação da Modernização Administrativa (que concebeu este programa), quando afirma que, com os seus sete impressos e treze formulários, o complemento solidário para idosos (a medida mais emblemática do Governo de Sócrates)? não se enquadra e «chumbaria» mesmo «no teste Simplex» (teste que, nas palavras desta responsável, será aplicado a toda a legislação produzida antes de ela ser publicada). Ora?. Mas não foi o complemento solidário para idosos apresentado ainda há bem pouco tempo? Então não é estranho que à sua elaboração não tenha presidido o mesmo critério de facilitar a vida aos cidadãos transmitida agora no Simplex? Ou o Governo não é o mesmo?!...

E depois há ainda a questão da tentação de «complexificação» do legislador: em 20 anos, a primeira série do Diário da República duplicou o número de páginas, de quase 4000 para 8000! E basta comparar o actual «peso» (literalmente falando) dos códigos fiscais com o das suas versões iniciais para percebermos como a complexidade aumentou - e de que maneira! Ora, a burocracia também resulta da sobrecarga das leis, pelo que se impõe uma grande atenção nesta matéria.

Vejamos agora o PRACE.

Aqui, logo à cabeça, tenho as maiores dúvidas acerca de uma reforma em que nem uma palavra é proferida no que diz respeito às funções do Estado. Ora, pergunto eu, como é que é possível proceder à «maior reestruturação da Administração Pública desde o 25 de Abril» sem fazer, primeiramente, uma introspecção das funções do Estado? Para além do mais, é sabido que precisamos de reduzir o peso da despesa pública no PIB (se não for por mais nada, pelo menos por causa do PEC?)! Não seria lógico, então, saber-se, primeiramente, quais as funções que o Estado deve assegurar e aquelas que deve deixar à iniciativa privada e social, por exemplo? Como a também minha colega parlamentar Rosário Águas referiu, o que parece é que se começou a construir a casa pelo telhado... porque, para além do combate ao desperdício, com a eliminação de serviços duplicados e de organismos obsoletos, se perdeu uma excelente oportunidade para se ir mais longe - ou seja, para reformular, conhecendo-as, as funções de um Estado moderno, adaptado à realidade que hoje vivemos e à globalização.

Mas há outra reflexão que considero ainda mais relevante: boa parte (34) das 187 estruturas da Administração Central que são eliminadas são órgãos consultivos - que pesam muito pouco ou mesmo nada nos cofres públicos? o que me leva à questão fatal de que o Governo e o PS, lamentavelmente, fogem como «o diabo da cruz»: a dimensão da Administração Pública e o impacto financeiro do PRACE. Para além do combate à burocracia e ao desperdício, em algum momento vai ser preciso olhar para o «outro» lado da factura, isto é, avaliar quantos funcionários estão a mais e? agir em conformidade. Como será isto feito? Por mim, aqui deixo a sugestão: rescisões amigáveis, a exemplo do que é feito na iniciativa privada. Claro que, num momento zero, seria preciso gastar mais, mas tenho a certeza que a emissão de dívida pública destinada exclusivamente a este fim, devidamente negociada com Bruxelas, poderia constituir uma solução. Timidamente, o Ministro das Finanças abordou esta possibilidade no último debate do Orçamento do Estado, em Novembro de 2005. Mas desde então até agora? nada, e quando a questão é abordada, o que se tem assistido da parte de Governantes e Deputados Socialistas é? assobiar para o lado» e responder com evasivas.

Finalmente, não poderia deixar de referir, comum aos dois programas, a pompa e circunstância com que foram apresentados. Afinal, na senda do que temos vindo a assistir desde o final do ano passado, em que não existiu praticamente semana em que o Executivo não festejasse ou celebrasse algo, fossem anúncios de simples investimentos, de assinaturas de acordos com entidades nacionais ou estrangeiras (vide Microsoft), ou de pacotes de medidas avulsas. Ora, a verdade é que, na esmagadora maioria dos casos, tal como agora, estamos apenas perante anúncios - de intenções mais ou menos louváveis, mais ou menos positivas, é certo, mas que não passam disso mesmo: intenções... das quais, à realidade, vai uma enorme distância. E, até porque, depois da «festa» permanente a que temos assistido, a responsabilidade pelo cumprimento dos anúncios cresceu proporcionalmente ao aparato, e a margem de erro ou de incumprimento se diluiu enormemente, não teria sido mais prudente guardar a pompa e circunstância para quando a execução fosse (for?) uma realidade?!... E, aí, logo se fazia a festa?

NOTA
No «pacote» do PRACE aparece também um processo de desconcentração e de descentralização, apresentado pelo Ministro António Costa e que, por mais que se tente negar, é uma tentativa de regionalização «encapotada» baseada nas cinco regiões NUTS II do INE. Um processo que, de acordo com José Junqueiro, Presidente do PS/Viseu, «se pretende, primeiro, concretizar no terreno para depois, já sem dor, poder ser traduzida sob a forma de lei». Então, e o referendo? Parafraseando Medina Carreira, mas que grande «esperteza saloia»! Que, espero sinceramente, seja travada a tempo!...

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