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Dilema do prisioneiro

Em ciência, na Teoria dos Jogos, existe um problema clássico que dá pelo nome de Dilema do Prisioneiro. Explica-se facilmente.

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Dois presos que cometeram um crime, para o qual a polícia não tem provas suficientes, são colocados em celas separadas. A polícia oferece a cada um o mesmo acordo: se um prisioneiro confessar e acusar o outro, e este se mantiver em silêncio, o primeiro sai em liberdade e o segundo apanha dez anos de cadeia; se ambos ficarem em silêncio são os dois condenados a poucos meses de prisão; se se acusarem mutuamente apanham cinco anos cada.

O dilema é evidente. Do ponto de vista egoísta a melhor estratégia parece ser trair e sair em liberdade, mas se o outro fizer o mesmo ambos são condenados a uma pena pesada. A melhor solução é calar sofrendo uma condenação menor, mas não se sabendo o que o outro faz, é igualmente muito arriscada pois pode resultar na maior pena.

Imagine-se que aplicamos o Dilema do Prisioneiro ao atual contexto eleitoral. O PSD acusa o PS e este mostra vontade em cooperar. Neste caso Passos Coelho ganha e Sócrates é bastante penalizado. É isso que está a suceder. Ao apostar na cooperação contra adversários que jogam todos na acusação, o PS perde sempre. Por outro lado, como PSD e CDS apostam na cooperação entre si saem beneficiados.

Numa análise pós-eleitoral tudo é contudo diferente. Se o PS ganhar, a estratégia de cooperação que de momento lhe é desfavorável obrigará o PSD a também cooperar. O país não entenderia que este partido se comportasse de outro modo. Passos Coelho terá de abandonar e dar lugar a alguém mais amigável.

Já se o PSD ganhar, mesmo com maioria em coligação com o CDS, não conseguirá governar sem o apoio do PS. Como muito bem explicou António Costa, nas atuais circunstâncias não basta uma maioria no parlamento. É fundamental conseguir também uma maioria no país. Sem esta não será possível realizar as profundas e duras reformas que aí vêm. Assim, se o PSD insistir na confrontação pós-eleitoral, conduzirá o PS a uma oposição frontal, ou seja, sofrerá uma forte penalização. Mas mesmo que inverta o comportamento, este cenário mantém-se como o mais provável. A campanha, de tão ofensiva, vai deixar marcas.

Esta é aliás uma variante do Dilema do Prisioneiro que dá pelo nome de DPI, "i" de iteração, desenvolvida por Robert Axelrod. Nesta variante, a memória do comportamento passado de cada jogador é essencial. A estratégia vencedora reside em começar por cooperar e, no passo seguinte, fazer o que o adversário fez na jogada anterior. Ou seja, o PS começou por cooperar e, perante a atitude do PSD nesta campanha, depois das eleições só pode rejeitar a cooperação. Depois de tanto ataque, os portugueses entenderão essa posição.

Nestes dilemas, a cooperação devia ser a regra, mas não o sendo é importante decidir a cada momento o que é mais favorável para se conseguir um determinado objetivo. Ou seja, cooperar sempre não resulta, do mesmo modo que a rejeição permanente ainda menos. É o que sucede, por exemplo, com PC e Bloco.

O exemplo é útil no contexto político, social e económico em que Portugal se encontra. Prisioneiros da crise, os principais partidos teriam todo o interesse em assumir estratégias de cooperação. Sem essa cooperação, quem ganhar a próxima eleição não vai ser capaz de governar e será sistematicamente penalizado pelo seu comportamento de confrontação. De momento, pode parecer que o PS é quem tem mais a perder. Mas, bem vistas as coisas, o PSD colocou-se na pior situação. A forte agressividade, o radical ímpeto acusatório, a sistemática tentativa de humilhação do adversário e de todos os que o apoiam, gerou uma profunda rejeição social e cultural que só pode trazer-lhe os maiores dissabores no futuro. Ou porque terá de ceder caso o PS vença, ou porque se verá incapaz de prosseguir a sua ação governativa caso ganhe. Até porque em política o dilema é de uma ordem superior. Não basta cooperar com os restantes partidos, é preciso sobretudo ser-se capaz de garantir a cooperação da maioria dos cidadãos.


Este artigo de opinião foi escrito em conformidade com o novo Acordo Ortográfico.
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